6º título eleitoral - 1945

Decreto-Lei 7.586 – 28 05 1945

A primeira metade da década de 40 notabilizou-se pela ocorrência da maior confrontação militar da história: a Segunda Guerra Mundial. De um lado, o Eixo, constituído basicamente por Alemanha, Itália e Japão; do outro, os Aliados, formados principalmente por Grã-Bretanha, França, União Soviética e Estados Unidos. O Brasil, a partir de agosto de 1942, integraria esta última aliança, não obstante ter almejado a neutralidade no início do conflito, em vista, dentre outras razões, da diversificação de sua política de comércio exterior ao longo da década de 30. Porém, os rumos do combate, com a entrada dos Estados Unidos no final de 1941, fariam com que o Brasil pendesse para o arco transatlântico.

No começo dos anos 40, o Brasil encontrava-se sob manto ditatorial: o Estado Novo, em cujo nascimento foram extintos o Poder Legislativo, em todas as esferas, e a Justiça Eleitoral, começou em 10 de novembro de 1937. Houve a substituição dos interventores em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Horas após o golpe de Estado, uma nova Constituição foi outorgada, no afã de legitimar o novo regime.

Originado de uma ampla aliança de elites político-econômicas – sem o predomínio, por exemplo, do setor cafeicultor da região Sudeste como no período da Primeira República – o governo ditatorial inspirou-se em uma visão corporativa. Saliente-se que a participação popular foi novamente secundária.

A fim de se manter a coesão governamental, instituiu-se o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) com o objetivo maior de censurar os meios de comunicação e foi determinado que os sindicatos ficassem subordinados ao Poder Executivo. Outrossim, estabeleceu-se que o país devia ser conduzido por uma elite, de cuja mescla sobressaíam políticos, militares e tecnocratas – o Departamento de Administração e Serviço Público (DASP) ficaria encarregado da seleção e formação dos futuros quadros burocráticos.

No plano econômico, a meta do regime autoritário foi, em função da conjuntura internacional, o aceleramento do processo de industrialização, considerado, a partir da influência militar, como elemento indispensável à segurança nacional. Com a utilização de parte das divisas, ampliadas em decorrência da elevação dos preços do café, o governo podia auxiliar e, por conseguinte, influenciar o setor da indústria.

Com o fito de coordenar a marcha industrialista, o governo constituiu órgãos setoriais como a Comissão do Plano Siderúrgico Nacional, de 1942 – em 1938, já havia sido composto o Conselho Nacional do Petróleo. Normalmente, a participação em tais organismos reunia, além de servidores públicos, militares e empresários.

De modo geral, entrelaçaram-se o industrialismo, a urbanização e a ampliação do aparato burocrático com vistas ao desenvolvimento nacional. Contudo, ainda que as camadas médias urbanas tenham-se beneficiado, subsistiam, dada a limitação do ritmo de industrialização, os empregos de baixa remuneração e qualificação – os subempregos.

A coordenação dos processos industriais não foi suficiente para impulsionar o desenvolvimento na medida das necessidades do país, de forma que – ao lado do papel de regulador econômico, ou mesmo árbitro, por meio da atuação em política cambial, salarial, tributária e fiscal – o Estado foi também produtor, ao formar suas próprias companhias para a fabricação de aço e ferro metálico, por exemplo, sob a justificativa, dentre outras, de insuficiência de capital e baixa lucratividade no setor privado.

Diferentemente da época da Primeira Guerra Mundial, houve, por fim, condições para a instalação da indústria pesada no Brasil. A indústria de bens de consumo adquiriu um ritmo de crescimento mais vigoroso, em face das restrições para importações; em conseqüência, verificou-se a diversificação dos produtos, mesmo não sendo estes sofisticados como os antigos, provenientes dos países do eixo euro-atlântico.

Em termos trabalhistas e sociais, ocorreram modificações importantes. Durante o período autoritário, o coroamento foi a Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943, vigente até hoje. Observa-se que a restrição aos direitos políticos foi compensada no meio urbano com a garantia de outros direitos, de teor social, o que, de todo modo, não elimina o vício de origem: a baixa participação popular no processo político.

Atribui-se à influência do positivismo, remanescente nos meios políticos do Rio Grande do Sul à época do golpe de Estado de outubro de 1930, a preocupação com a incorporação gradativa da massa trabalhadora, no espírito de uma política de colaboração de classes – oposto, assim, ao movimento comunista, vigente na União Soviética.

Tal posicionamento destoou do liberalismo em vigor na República Velha, pouco afeito à regulamentação estatal das relações trabalhistas e sociais. Recorde-se de que a pasta do Trabalho, Indústria e Comércio, estabelecida poucas semanas após o novo governo, é tradicionalmente mencionada apenas como o Ministério do Trabalho. Cabia ao novo órgão regulamentar, além da área trabalhista, o setor previdenciário e o sindical.

Como conseqüência direta da nova postura, o Brasil assistiu ao surgimento de diversas medidas de amparo ao trabalhador: os direitos trabalhistas na Constituição de 1934; a adoção do salário mínimo, em 1940; o estabelecimento da Justiça do Trabalho, em 1941, em complemento à atuação das Juntas de Conciliação e Julgamento, de 1932; e, por fim, a já mencionada Consolidação das Leis do Trabalho, em maio de 1943.

No campo previdenciário, as caixas de Aposentadoria e Pensão remodelaram-se aos poucos nos institutos de Aposentadoria, ao ampliarem seu grau de atuação – para englobar, além da área de empresas, a de categorias profissionais – e o de participação, incluindo, ao lado dos representantes dos trabalhadores e dos patrões, representantes do governo. Ademais, os quadros funcionais passaram a ser preenchidos, em boa parte, por concurso público. Ainda assim, os trabalhadores rurais e os autônomos do meio urbano não foram contemplados com benefícios na era varguista – o que, concernente aos primeiros, viria a ocorrer somente a partir dos anos 60.

Quanto ao campo sindical, predominou o corporativismo. O governo estabeleceu a necessidade de reconhecimento das entidades sindicais pelo Ministério do Trabalho, tanto para trabalhadores, como para patrões. Vigorou a unicidade sindical e o enquadramento profissional era definido pelo Poder Executivo. O imposto sindical, de 1940, foi importante para incentivar a formação de organizações de trabalhadores, mas não a sua filiação. Greves foram proibidas.

Cumpre ressaltar que a ampliação da urbanização e da industrialização teve no país um cunho fortemente populista – não tendo os direitos políticos acompanhado os sociais, estes aparentavam ser uma concessão do Estado à sociedade, e não uma conquista da população.

No meio dos anos 40, assistiu-se no Brasil à polarização política: os liberais aspiravam ao fim do regime do Estado Novo com o objetivo de implementar formalmente a democracia, enquanto as classes populares apoiavam, em boa extensão, a permanência da ditadura varguista, numa atitude denominada de queremismo. Assim, havia dois grupos: os defensores da União Nacional – termo de início invocado pelo Estado Novo para iniciar o processo de abertura – sem Vargas, e os partidários de uma unidade com ele.

A tensão política adveio da desconformidade entre a ditadura do Estado Novo e o seu apoio às democracias contra o nazifascismo. Em 1943, surgem, de forma explícita, os primeiros sinais de descontentamento com o regime, a partir de Minas Gerais e da União Nacional dos Estudantes, fundada em agosto de 1937 pelo governo para supervisionar o movimento estudantil.

A justificativa para a revolta adveio da própria legislação instituída pela ditadura. Nas disposições transitórias e finais da Constituição de 1937, no art. 175, dispôs-se que o mandato presidencial começaria na data de início da vigência da Carta Constitucional, ou seja, 10 de novembro de 1937. De acordo com o art. 80, o mandato presidencial teria a duração de seis anos.

Portanto, o mês de novembro de 1943 seria o prazo final para a realização de um plebiscito para legitimar o Estado Novo, consoante disposição da Constituição. Nesse entretempo, o regime autoritário justificava a sua duração e, por extensão, a ausência de realização da consulta popular, em razão das conseqüências da Segunda Guerra Mundial. No final de 1944, a oposição articularia o lançamento de possíveis candidaturas.

Em fevereiro de 1945, com o fito de obter tempo, a ditadura promulgou a Lei Constitucional nº 9 – chamada, por vezes, de Ato Adicional à Carta de 1937 –, por intermédio da qual se estabeleceria o voto direto para a eleição presidencial, com um mandato de seis anos para o seu vencedor. Em 90 dias, seria lançado o calendário das eleições. Até a posse do ganhador, Vargas continuaria no poder.

Em abril, o governo ditatorial decretou uma anistia de largo alcance, o que permitiria o retorno de vários exilados e, ao mesmo tempo, a saída de vários aprisionados. Paralelamente, Vargas articulou a candidatura de um possível sucessor – extraído, de preferência, das Forças Armadas – e a organização de dois partidos políticos.

No final do prazo estabelecido, veio a lume o Código Eleitoral. As eleições para a Presidência e a Constituinte seriam programadas para dezembro daquele mesmo ano – a eleição estadual, para maio de 1946. Estimava-se a população do Brasil acima dos 46 milhões de habitantes. O Decreto-Lei nº 7.586, de 28 de maio de 1945, regularia, além do alistamento, as eleições. O Tribunal Superior Eleitoral retornaria, após quase dez anos de extinção.

Por intermédio do decreto-lei, eram considerados eleitores os maiores de 18 anos, desde que naturalmente alistados. No entanto, não podiam alistar-se os analfabetos, os militares na ativa – salvo oficiais –, os mendigos e os privados de direitos políticos. Destaque-se que, de acordo com os dados do censo de 1940, a taxa de analfabetismo das pessoas com mais de dez anos de idade ultrapassava 55%, de sorte que uma parcela significativa da sociedade estaria alijada do processo de votação. Em 1950, o índice – em se considerando a idade a partir dos 15 anos – superaria levemente 50%.

O alistamento e o voto eram obrigatórios a todos os cidadãos, com exceção dos inválidos, dos maiores de 65 anos, dos brasileiros a serviço do país no exterior, dos oficiais das Forças Armadas em serviço ativo, dos servidores públicos em licença ou férias fora do domicílio, dos magistrados e, por último, das mulheres que exercessem profissões não lucrativas.

A qualificação e a inscrição do eleitor com vistas ao alistamento podiam ser efetuadas de duas maneiras: ex officio ou a requerimento do próprio cidadão interessado. Do primeiro modo, estavam autorizados a realizá-las os chefes de repartições públicas – mesmo de entidades autárquicas, paraestatais ou de economia mista – e os titulares das seções da Ordem dos Advogados e dos conselhos regionais de Engenharia e Arquitetura.

No título eleitoral, constavam os seguintes dados: nome do eleitor, idade, filiação, naturalidade, estado civil, profissão e endereço. Nas futuras eleições, na esteira do determinado ainda nos anos 30 pela Lei nº 48, de 4 maio de 1935, confirmaram-se o voto secreto e a representação proporcional.

Quanto ao primeiro, o sigilo era garantido pelo emprego de sobrecartas oficiais, uniformes e opacas. O presidente da mesa receptora as rubricava à proporção que elas eram entregues aos eleitores, os quais, por seu turno, dirigiam-se a gabinetes privados para colocar as cédulas reservadamente nos envelopes.

Logo após, a sobrecarta oficial era introduzida em um receptáculo – a urna – cujo tamanho impedia o empilhamento dos envelopes durante o processo de votação. Além do mais, a urna devia assegurar a inviolabilidade do sufrágio.

Quanto à representação proporcional, o quociente eleitoral era aferido ao dividir-se o número de votos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral. Se houvesse fração, ela seria desprezada se igual ou inferior a meio, ou arredondada para um, se superior. Os votos em branco seriam válidos para a determinação do quociente eleitoral.

Quanto às penalidades, caso um cidadão se inscrevesse mais de uma vez, com vistas a burlar o processo eleitoral, a pena seria a detenção de três meses a um ano. Se tentasse votar mais de uma vez ou no lugar de outro eleitor, a pena seria de detenção de seis meses a um ano. Não se concederia fiança nas infrações eleitorais quando o tempo máximo da pena privativa de liberdade superasse os seis meses.

Apesar das medidas implementadas pelo governo, seria divulgado, em junho de 1945, no Primeiro Congresso dos Escritores, um manifesto a favor da democratização. O fim da Segunda Guerra Mundial, em maio daquele ano, reduziria a duas as opções políticas, grosso modo: o capitalismo democrático, liderado pelos Estados Unidos, e o comunismo autoritário, conduzido pela União Soviética.

Não haveria espaço, naquele momento, para uma terceira via. A ditadura do Estado Novo, sob a liderança de Getúlio Vargas, não dispunha, então, de condições suficientes para inserir-se na nova configuração mundial de forças, mesmo tendo participado na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Na prática, o governo varguista associou-se, em uma primeira análise, ao fascismo.

Com o impasse político interno, as Forças Armadas – mais especificamente, o Ministério da Guerra – tomaram a decisão de retirar Vargas do poder, muito embora formalmente ele tenha renunciado no dia 29 de outubro de 1945. Dois dias depois, os militares entregaram o cargo ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro José Linhares. No dia 2 de dezembro daquele mesmo ano, haveria eleições para a Presidência da República e para a Assembléia Constituinte.

Referência

6º título eleitoral - 1945. In: ARRAES, Virgílio Caixeta. Títulos eleitorais: 1881-2008 . Brasília: Tribunal Superior Eleitoral; Secretaria de Gestão da Informação, 2009. (Série Apontamentos, 2), p. 41 - 47.

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