Princípio da anualidade eleitoral

Rodrigo Moreira da Silva1


Diversos são os nomes dados ao princípio da anualidade eleitoral, como, por exemplo: princípio da anualidade em matéria constitucional, princípio da anterioridade eleitoral, princípio da antinomia eleitoral ou anterioridade constitucional em matéria eleitoral. Sendo assim, diante de quaisquer deles, sabe-se estar tratando do mesmo assunto.

Esse princípio está expresso no artigo 16 da Constituição de 1988, para o qual “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência.” Em conformidade com a Constituição, os conceitos de segurança jurídica, de eficácia normativa e de processo eleitoral estão intimamente ligados ao princípio da anterioridade.

Antes, porém, é válido ressaltar a importância do tema, visto que “esse artigo configura uma ‘muralha da democracia’, uma exigência da predeterminação das regras do jogo da disputa eleitoral com um ano de antecedência para evitar casuísmos e surpresas, em nome da estabilidade”2. No mesmo sentido, José Jairo Gomes afirma que “essa restrição tem em vista impedir mudanças casuísticas na legislação eleitoral que possam surpreender os participantes do certame que se avizinha, beneficiando ou prejudicando candidatos.”3 Quanto a esse ponto, a doutrina e a jurisprudência4 entram em consenso, não se questionando em momento algum o grande valor do princípio.

Repare que a Constituição refere-se a “lei que alterar o processo eleitoral”. Trata-se, nesse caso, de lei em sentido amplo, ou seja, qualquer norma capaz de inovar o ordenamento jurídico. Excluem-se daí os regulamentos, que são editados apenas para promover a fiel execução da lei e que não podem extrapolar os limites dela. Não podem os regulamentos criar algo novo. Em função disso, “[...] essa regra dirige-se ao Poder Legislativo porque apenas ao parlamento é dado inovar a ordem jurídica eleitoral.”5 A consequência prática disso é a inaplicabilidade do princípio ao poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), logo as resoluções desse Tribunal, editadas para dar bom andamento às eleições, podem ser expedidas há menos de um ano do pleito eleitoral (art. 105 da Lei nº 9.504/1997).

É um resultado de fácil conclusão, pois o princípio reprime os efeitos das alterações das regras eleitorais expedidas há menos de um ano das eleições, de forma a evitar casuísmos e surpresas aos participantes do processo eleitoral. Os regulamentos, por sua vez, não alteram, não criam nem revogam. Se a eles não é dado o poder de “alterar o processo eleitoral”, não se lhes aplica o princípio.

O legado desse princípio é trazer estabilidade e segurança jurídica às eleições. É a forma de garantir ao eleitor e ao candidato que as regras não serão alteradas no meio do jogo.

Quanto à eficácia das leis que alteram o processo eleitoral, deve-se alertar que elas entram em vigor na data de sua publicação, porém ficam destituídas de aplicação prática para as eleições que ocorram até um ano a partir dessa data. Assim, são consideradas válidas durante todo esse período, estando em conformidade com o Direito. Contudo, não terão eficácia para as eleições que ocorram dentro desse intervalo de tempo, ou seja, não produzirão seus efeitos, não terão possibilidade de aplicação. É um limite temporal. Reconhece-se a validade, mas não se permite que sejam aplicadas antes de determinado período. É necessário o intervalo de pelo menos um ano entre a existência válida da norma e a eleição à qual será aplicada.

Pode ocorrer, entretanto, de a lei que altere o processo eleitoral ser editada há mais de um ano das eleições. Nesse caso, não se fala em limitação temporal. Essa lei terá vigência e eficácia imediatas. Não haverá necessidade de aplicar o princípio da anualidade eleitoral. Como consequência, pode-se dizer que as leis editadas até um ano e um dia antes das eleições terão, além da vigência, aplicabilidade imediata.

Resta apenas o ponto controvertido sobre o assunto: o conceito de processo eleitoral. Quanto a esse, não há consenso. De modo geral, pode-se afirmar que processo eleitoral compreende as várias fases pelas quais é preciso passar para que haja uma eleição bem-sucedida, incluindo tudo o que for necessário para os eleitores e os candidatos participarem desse processo. Nesse contexto, incluem-se o alistamento eleitoral, a votação, a apuração dos votos e a diplomação dos eleitos.

A par dessa noção genérica, a doutrina e a jurisprudência discutem a respeito dos limites desse processo. Dentre um apanhado de explicações sobre o tema, é possível encontrar: “a sucessão, o desenvolvimento e a evolução do fenômeno eleitoral, em suas diversas fases”, “complexo de atos que visam receber e transmitir a vontade do povo”, “desde o alistamento até a diplomação”, “apenas normas instrumentais ou formais relativas às eleições”, “regras capazes de alterar a realidade fática do processo das eleições”, “atos que estão diretamente ligados às eleições” e, entre tantas outras, “composto por uma fase pré-eleitoral (desde a apresentação das candidaturas até a propaganda eleitoral), uma fase eleitoral propriamente dita (a votação) e uma fase pós-eleitoral (com a apuração e a diplomação)”. Enfim, não há um acertamento sobre os limites do tema, mas é perceptível, também, que eles não destoam bruscamente sobre o que deve ser o processo eleitoral. Uns considerando um pouco mais, outros, um pouco menos, todos chegam à conclusão de que se deve tratar de normas ligadas às eleições.

Apesar da divergência relatada, o processo eleitoral como um todo não deixa de ser considerado um bem jurídico que deve ser protegido pelas leis brasileiras. Considera-se o processo eleitoral um direito fundamental e uma garantia individual com repercussões políticas, de modo que “em sua totalidade, o processo eleitoral constitui um bem jurídico. E como tal é objeto de proteção constitucional e legal. Pois, de sua normalidade, higidez e sinceridade exsurge a legitimidade das eleições e dos mandatos representativos, abrindo-se a porta para o exercício legítimo e consentido do poder político”6, como também considera o Supremo Tribunal Federal (STF) que o princípio “representa garantia individual do cidadão-eleitor, detentor originário do poder exercido pelos representantes eleitos”7. Por conta disso, enxerga-se que a discordância sobre os limites do conceito não tem força para diminuir sua importância no ordenamento jurídico.

Por fim, tratando de questão de ordem prática, sabe-se que as eleições devem ocorrer no primeiro domingo de outubro (art. 77 da CF) e que, no ano de 2014 (ano eleitoral), o primeiro domingo será no dia 5 de outubro. Em vista disso, as leis que alterarem o processo eleitoral somente serão aplicadas às eleições de 2014 caso entrem em vigor até o dia 4 de outubro de 2013, no máximo.

Resumidamente, então, o princípio da anualidade eleitoral estabelece um limbo, compreendido no período de um ano imediatamente antes das eleições, durante o qual as legislações que alterem o processo eleitoral devem permanecer sem aplicação, tendo por consequência a ineficácia dessas leis para as eleições que ocorram há menos de um ano de sua entrada em vigor.



1 Bacharel em Direito, servidor do Tribunal Superior Eleitoral, lotado na Escola Judiciária Eleitoral.

2 SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 222.

3 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7. ed. São Paulo: Atlas Jurídico, 2011, p. 210.

4 ADI nº 354, rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 12.2.93; ADI 3.345, rel. Min. Celso de Mello; ADI nº 3.685,    Relator(a):  Min. Ellen Gracie.

5 SALGADO, Eneida Desiree. Princípios constitucionais eleitorais. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 223.

6 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7. ed. São Paulo: Atlas Jurídico, 2011, p. 212.

7 ADI nº 3.685, Relator(a):  Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, julgado em 22.3.2006.