Como são contabilizados os votos nas eleições brasileiras
Polianna Pereira dos Santos1
Em ano de eleições, somos bombardeados por campanhas eleitorais e disputas que se travam entre candidatos e partidos. No entanto, é importante analisar se nós, eleitores, sabemos, de fato, votar. Não se trata de ir à urna eletrônica e marcar o nome de tal ou qual candidato, ou mesmo de votar em branco ou nulo. Para entender como funciona a escolha dos políticos pelos eleitores, é necessário entender um pouco de sistema eleitoral.
Pode-se definir sistema eleitoral como o conjunto de normas e institutos considerados para contabilizar os votos e convertê-los em mandatos. Jairo Nicolau2 esclarece que sistema eleitoral é “[...] o conjunto de regras que define como em uma determinada eleição o eleitor pode fazer suas escolhas e como os votos são contabilizados para serem transformados em mandatos (cadeiras no Legislativo ou chefia do Executivo)”.
No Brasil, adotam-se dois tipos de sistemas: o majoritário, para a escolha de presidente da República, governador, prefeito e respectivos vices (chefes do Poder Executivo), além de senador e seus suplentes (que compõem o Poder Legislativo); e o proporcional, para a escolha de deputados federais, estaduais e distritais e vereadores (membros do Poder Legislativo).
Pelo sistema majoritário, são eleitos os candidatos que obtiverem mais votos. É o sistema mais simples. Os eleitores escolhem os seus candidatos e votam nominalmente. Na eleição de presidente da República, governador e prefeitos, nos municípios com mais de 200.000 eleitores, realiza-se segundo turno quando nenhum candidato obtém a maioria absoluta (mais de 50% dos votos, não considerados os brancos e nulos). Nos demais casos – senadores e prefeitos de municípios com menos de 200.000 eleitores –, são eleitos os candidatos mais votados (maioria simples).
Nesse sistema, o eleitor deve analisar o partido ou a coligação formada pelos partidos que apresentam determinado candidato, considerando plataforma de governo, perfil ideológico, quem financia sua campanha, história política, etc. Uma vez formada a convicção, o eleitor vota nominalmente em seu candidato – que implica a eleição do vice ou dos suplentes –, e aquele que obtiver o número mais expressivo de votos é eleito (em primeiro ou segundo turno, conforme o caso).
O sistema proporcional é mais complexo. O eleitor escolhe seu candidato entre aqueles apresentados por um partido político ou coligação. No Brasil, os eleitores podem optar por votar nominalmente em seu candidato ou somente na legenda partidária (nos dois primeiros números que correspondem ao partido de sua preferência).
As coligações apresentam lista única com o nome de todos os candidatos dos vários partidos que a compõem. Quando diversos partidos formam uma coligação (que passa a ser tratada legalmente como se fosse um partido único), não é criada uma legenda própria (ou um número que represente a coligação inteira). Os eleitores que votam na legenda de seu partido emprestam seus votos para a coligação como um todo, pois o cálculo do quociente eleitoral é feito com base em todos os votos recebidos pelos candidatos e pelos partidos que compõem a coligação.
A contabilização dos votos no sistema proporcional adotado pelo Brasil e sua transformação em vagas nas casas legislativas ocorrem em etapas. Calcula-se, primeiramente, o quociente eleitoral (art. 106 do Código Eleitoral). Na sequência, o quociente partidário (art. 107 do Código Eleitoral). Por fim, faz-se, se necessário, a repartição dos restos eleitorais (art. 109 do Código Eleitoral).
Somente o partido – ou a coligação – que atingir um número mínimo de votos tem o direito de obter vaga na Casa Legislativa. Isso explica o fato de, às vezes, um candidato receber muitos votos, mas não ser eleito porque seu partido não atingiu o número mínimo de votos. Pode ocorrer, portanto, de um candidato de outro partido ou coligação que tenha recebido menor número de votos ser eleito. Isso porque seu partido, como um todo, obteve mais votos que o partido ou a coligação do candidato adversário.
O número mínimo de votos é obtido por meio do cálculo do quociente eleitoral, que decorre da divisão do número total de votos válidos3 pelo número de vagas a serem preenchidas na Casa Legislativa4. Deve-se desprezar, no resultado obtido, a fração inferior a 0,5 e considerar equivalente a um a fração superior a 0,5. O cálculo do quociente eleitoral (QE) pode ser representado pela seguinte fórmula:
QE = votos válidos/nº de cadeiras em disputa
A quantidade de vagas obtidas por cada partido ou coligação varia conforme o número de vezes que ultrapassa o quociente eleitoral. Esse número de vezes é obtido por meio do cálculo do quociente partidário, que decorre da divisão da quantidade de votos válidos obtidos pelo partido ou pela coligação pelo valor do quociente eleitoral, desprezada qualquer fração. O cálculo do quociente partidário (QP) pode ser representado pela seguinte equação:
QP = votos válidos (partido ou coligação)/quociente eleitoral
O partido ou a coligação que não obtiver votos em quantidade superior ao quociente eleitoral não terá representação na Casa Legislativa, nos termos do disposto no art. 109, § 2º, do Código Eleitoral5. O quociente partidário representa, portanto, cláusula de barreira a limitar o acesso à Casa Legislativa aos partidos ou às coligações que não atingirem um mínimo de representatividade. A quantidade de votos obtida individualmente por um candidato não é, nesse sistema, determinante para sua eleição. Faz-se necessário que o partido ou a coligação de que faça parte o candidato ultrapasse o quociente eleitoral.
Se nenhum partido ou coligação atingir o quociente eleitoral, adota-se a fórmula do princípio majoritário, conforme disposição expressa do art. 111 do Código Eleitoral6. Nesse caso, serão considerados eleitos os candidatos mais votados.
Considerando o fato de que as frações decorrentes do cálculo do quociente partidário devem ser desprezadas, há eventualmente sobra de vagas não distribuídas entre os partidos ou as coligações. Dessa forma, adotando-se a sistemática de maiores médias definidas no Código Eleitoral, em seu art. 109, deve-se dividir o número de votos atribuídos a cada partido ou coligação pelo número de lugares por eles obtidos (por meio do quociente partidário) mais um. O cálculo dos restos eleitorais (R) pode ser assim representado:
R = nº de votos obtidos (partido ou coligação)/nº de vagas obtidas + 1
Desse modo, o partido ou a coligação que atingir a maior média obtém mais uma vaga na Casa Legislativa. Esse cálculo deve se repetir até que se esgotem as sobras, sempre acrescendo ao quociente da equação a nova vaga obtida, quando for o caso.
Uma vez estabelecida a quantidade de vagas a serem preenchidas por cada partido ou coligação, faz-se necessário definir quais serão os candidatos empossados. Essa definição ocorrerá em função da quantidade de votos nominais obtidos pelos candidatos, de forma que serão empossados os candidatos mais votados, segundo a votação nominal. Não são realizados novos cálculos para assegurar a representatividade dos partidos que compõem a coligação eventualmente formulada.
O sistema proporcional, embora seja mais complicado para o eleitor, tem como ponto forte a finalidade de assegurar a representatividade dos partidos que disputam uma eleição de forma proporcional – respeitando, portanto, as minorias. Não se espera que o eleitor conheça todas essas fórmulas e saiba exatamente como aplicá-las. É importante, contudo, que ele saiba que elas existem para garantir que a escolha de representantes seja feita de forma consciente.
A escolha do eleitor, nesse caso, deve considerar principalmente o partido de sua preferência ou os partidos que compõem eventual coligação. Isso porque o eleitor não tem condições de definir objetivamente quem será beneficiado com seu voto. Enquanto no sistema majoritário o eleitor identifica claramente em sua escolha quem ele quer que exerça o mandato, pois a escolha é pessoal, no sistema proporcional importa primeiro que o partido ou a coligação receba votos suficientes para que possa eleger algum candidato. A escolha nominal do eleitor afeta em menor medida a definição desses candidatos no sistema proporcional.
Portanto, no sistema proporcional – considerando a complexidade dos cálculos que envolvem a definição dos eleitos –, é importante que o eleitor conheça os partidos que compõem as coligações que geralmente se formam. Afinal, seu voto pode auxiliar na eleição de um candidato de outro partido, já que todos são somados, dentro da coligação, para a obtenção do quociente eleitoral. Conhecendo melhor o funcionamento dos sistemas eleitorais, o eleitor tem maiores condições de tomar decisões conscientes e votar com segurança.
1 Mestranda em Direitos Políticos pela Universidade Federal de Minas Gerais. Especialista em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bacharela em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Assessora da Procuradoria Regional Eleitoral em Minas Gerais. Professora de Direito Eleitoral na Faculdade de Direito de Conselheiro Lafaiete.
2 NICOLAU, Jairo Marconi. Sistemas eleitorais. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.
3 Não são computados como válidos os votos nulos ou em branco. É o que dispõe o art. 5º da Lei nº 9.504/1997, segundo o qual, “nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias.”
4 Essa quantidade é delimitada pela Constituição da República. Desse modo, deve ser observada a quantidade de vagas disponíveis nas casas legislativas – Câmara dos Deputados, Assembleia Legislativa e Câmara dos Vereadores – de acordo com os preceitos contidos, respectivamente, nos arts. 45, § 1º; 27; 29, IV; 32, § 3º (Distrito Federal).
5 § 2º Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.
6 Art. 111. Se nenhum partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais votados.