O Ministério Público Eleitoral

Renata Livia Arruda de Bessa Dias1



A Constituição Federal de 1988 definiu o Ministério Público como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127 da CF).

Nos termos do art. 128 da CF, o Ministério Público é composto: 1) pelo Ministério Público da União, que abrange o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; e 2) pelo Ministério Público dos Estados.

Com o propósito de regulamentar o disposto no mencionado artigo, foi criada a Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/1993), que, dentre outras disposições, estabelece ser de competência do Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral (art. 72).

Na ausência de uma carreira própria, o art. 18 do Código Eleitoral estabelece que “exercerá as funções de procurador-geral, junto ao Tribunal Superior Eleitoral, o procurador-geral da República”2, denominado procurador-geral eleitoral – ou seu substituto legal – ao qual cabe exercer as funções do Ministério Público nas causas de competência do Tribunal Superior Eleitoral, ou seja, coordenar as atividades do Ministério Público Eleitoral (MPE) em todo o território nacional (art. 24 do CE e arts. 74 e 75 da LC nº 75/1993).

De outra parte, para atuar em cada Tribunal Regional Eleitoral, será nomeado, pelo procurador-geral da República, um procurador regional da República do respectivo estado ou do Distrito Federal (art. 76 da LC nº 75/1993) que – para um mandato de dois anos, permitida uma recondução – cuidará das atividades do MPE nos respectivos estados, exercendo suas funções nas causas de competência do respectivo Tribunal Regional Eleitoral (art. 77 da LC nº 75/1993).

Ainda a respeito da atuação do procurador regional eleitoral, o parágrafo único do art. 77 da LC nº 75 dispõe que “o procurador-geral eleitoral poderá designar, por necessidade de serviço, outros membros do Ministério Público Federal para oficiar, sob a coordenação do procurador regional, perante os tribunais regionais eleitorais”.

Finalmente, no primeiro grau de jurisdição, servirá como promotor eleitoral um membro do Ministério Público Estadual, designado pelo respectivo procurador regional eleitoral, os quais exercerão suas funções perante os juízes e juntas eleitorais (art. 78 da LC nº 75/1993).

Nesse ponto, nota-se que, a despeito de competir ao Ministério Público Federal a função eleitoral, em primeiro grau de jurisdição, esta é delegada por lei complementar ao Ministério Público dos estados e do Distrito Federal.

No tocante ao exercício de suas atividades, o representante do Ministério Público Eleitoral tem legitimidade para agir como parte ou como fiscal da lei (custos legis), administrativa ou judicialmente.

A atuação do MPE realiza-se administrativamente, em ações como acompanhamento do alistamento eleitoral, requerimentos de transferências, cancelamentos de inscrições (art. 45 do CE), nomeação de membros da junta eleitoral, de mesários, de escrutinadores e de auxiliares, e diplomação dos candidatos eleitos
(art. 41, IV e XI, da Lei nº 8.625/1993 e art. 215, parágrafo único, do CE).

No dia das eleições, o promotor eleitoral atua como custos legis, devendo, por exemplo, fiscalizar a legalidade nas mesas eleitorais, impugnar a atuação de mesários, fiscais ou delegados de partido político que estejam em desacordo com a legislação eleitoral, e fiscalizar a entrega das urnas.

No campo jurisdicional, o MPE tem legitimidade para ajuizar, dentre outras, ação de impugnação ao registro de candidatura (art. 3º da LC nº 64/1990), ação de investigação judicial eleitoral (art. 22 da LC nº 64/1990) – no combate ao abuso de poder político e econômico –, representação por captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei nº 9.504/1997), representação por conduta vedada (art. 73 da Lei nº 9.504/1997), bem como para oferecer denúncia com fundamento em infrações penais eleitorais (art. 357 do CE).

Ainda, no intuito de manter a lisura e o equilíbrio eleitoral, caberá ao MPE ajuizar representação eleitoral com fundamento em propaganda eleitoral antecipada nas hipóteses em que pré-candidatos e partidos políticos iniciarem a sua campanha eleitoral – com faixas, adesivos, outdoors, entrevistas em rádio, etc. – antes do período permitido por lei.

Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral reforçou a importância da atuação jurisdicional do Ministério Público na Justiça Eleitoral ao assegurar a sua legitimidade ativa para representação em propaganda partidária na hipótese de infração do art. 45 da Lei nº 9.096/1995, pois, a despeito de o § 3º daquele dispositivo afirmar que a representação somente poderá ser oferecida por partido político, deve-se considerar o disposto no art. 127 da CF/1988, que define ser incumbência do MPE a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis3.

Em relação aos impedimentos, o membro do Ministério Público que atua na esfera eleitoral está impedido (1) de exercer atividade político-partidária, sendo que a filiação a partido político impede o exercício de funções eleitorais até dois anos do seu cancelamento (art. 80 da LC nº 75/1993), bem como (2) de ser convocado para mesa receptora de votos ou junta eleitoral (arts. 36, § 3º, IV, e 120, § 1º, IV, do CE, e art. 128, § 5º, II, e, da CF/1988).

Por fim, a atuação do Ministério Público na Justiça Eleitoral não deve interferir nos interesses dos partidos políticos, coligações e candidatos, sobretudo porque o fim maior de suas ações é garantir a lisura e a legitimidade do processo eleitoral, como defesa do regime democrático de direito, do interesse público e da tutela dos interesses extrapartidários.

Conclui-se, portanto, que a ausência de uma carreira própria que estruture a atuação dos membros do Ministério Público na Justiça Eleitoral não torna a sua atividade limitada ou de pouca significância. Ao contrário, a independência e a autonomia garantidas constitucionalmente permitem uma ampla e relevante atuação do Parquet na Justiça Eleitoral, possibilitando, preventivamente, a garantia da isonomia de oportunidades entre os candidatos e os partidos políticos que concorrem às eleições e, repressivamente, a punição dos ilícitos eleitorais.




1 Especialista em Direito Eleitoral pela Universidade Anhanguera (Uniderp) em convênio com o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Analista judiciário do TSE.

2 No mesmo sentido, dispõem os arts. 73 e 74 da LC nº 75/1993.

3 Nesse sentido: Rp nº 154105/AM; rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 6.8.2012.