Um ano antes das eleições: por que essa data é importante?
Rodrigo Moreira1
Nos anos eleitorais, o primeiro domingo de outubro é um grande dia para a democracia. Nessa data ocorrem as eleições, o símbolo de uma profunda conquista política do povo brasileiro. Entretanto, para realizar as eleições, há um emaranhado de normas, procedimentos e preparações que necessitam ser observados e levados a efeito. Então, o estabelecimento de datas-limite é fundamental.
Ao mais leigo dos eleitores não soaria estranho tomar conhecimento de que, pela legislação eleitoral, há uma data que limita alguns dos direitos eleitorais. Isto é, há um marco no calendário das eleições a partir do qual não mais poderão ser mudadas as regras do jogo nem alguns fatos já constituídos.
Nesse ponto, uma cautela é necessária. Veja: trataremos adiante desse marco eleitoral, contudo, o parágrafo anterior revela uma meia-verdade. As regras e os fatos constituídos podem, sim, ser alterados até as eleições; no entanto, de modo implacável, não se aproveitarão às eleições que se avizinham. Logo, o impedimento é relativo. É possível criar novas regras ao longo desse período, entretanto, elas não afetarão o pleito próximo. Da mesma forma que, após esse limite, é possível constituir fatos novos e alterá-los sem, contudo, que eles tenham eficácia para as eleições seguintes.
O marco está estabelecido a um ano das eleições. Portanto, para o pleito de 2014, que será realizado no dia 5 de outubro, a fronteira está posta no dia 5 de outubro de 2013. A partir daí, uma série de questões eleitorais será definida.
Cuidadosamente, pesquisando a legislação eleitoral, percebem-se quatro pontos demarcados pelo período de um ano imediatamente anterior às eleições: (i) as leis que alteram o processo eleitoral não se aplicam às eleições que ocorram até um ano de sua vigência; (ii) os partidos políticos que não tiverem registrado seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) até um ano antes das eleições não poderão participar delas; (iii) as pessoas que desejam se candidatar nas próximas eleições devem ter domicílio eleitoral há pelo menos um ano na respectiva circunscrição eleitoral; e (iv) os futuros candidatos devem estar com a filiação partidária deferida pelo período mínimo de um ano.
O primeiro tópico cuida do princípio da anualidade eleitoral, segundo o qual as leis que alterarem matérias diretamente relacionadas às eleições (processo eleitoral), apesar de entrarem em vigor na data de sua publicação, não serão aplicáveis às eleições que ocorram até um ano dessa data. Em termos mais práticos, na eventualidade de uma lei contendo alterações sobre o processo eleitoral ser publicada após o dia 5 de outubro de 2013, ela não poderá ser aplicada às eleições de 2014, visto que terá sido publicada dentro do intervalo de um ano das eleições seguintes.
No que tange ao segundo tópico, a questão é de grande importância, em virtude da atual tendência de criação de novos partidos políticos, fundada em discordâncias ideológicas. Pessoas insatisfeitas com os rumos que têm tomado os partidos aos quais são filiadas procuram criar novos partidos, a fim de difundir suas ideias e propostas. Nada mais que uma consequência do pluripartidarismo garantido pela Constituição Federal de 1988, que assegura a existência, atualmente, de 32 partidos políticos.
No sentido de moderar os impactos do surgimento repentino de partidos políticos, a Lei das Eleições (Lei nº 9.504/1997) restringe a efetiva participação deles no próximo pleito, quando criados dentro do período do ano anterior à eleição. Assim, partidos criados da noite para o dia, em vésperas de eleições, delas não participam. Ao eleitor, portanto, é dada a segurança de saber – um ano antes – quais partidos estarão aptos à disputa.
Adiante, duas restrições um tanto quanto individualizadas, pois interferem mais diretamente no cotidiano dos futuros candidatos.
É no domicílio eleitoral do cidadão que ele poderá disputar as eleições. Nesse contexto, não poderá uma pessoa com domicílio eleitoral em determinada localidade pleitear o registro de sua candidatura em outra. Observa-se, obviamente, a abrangência da disputa, visto que há eleições presidenciais, gerais (governador, senador e deputado) e municipais. Nas primeiras, concorrem pessoas de qualquer localidade; nas segundas, quaisquer pessoas domiciliadas dentro do estado da Federação; nas terceiras, apenas pessoas domiciliadas no município. Contudo, o ponto a que queríamos chegar é: independentemente das eleições disputadas, o domicílio do futuro candidato deverá estar constituído a um ano do pleito. Sem a comprovação de tal requisito, o registro da candidatura não será deferido pela Justiça Eleitoral. Pedimos licença, escapando um pouco do tema, apenas para noticiar que o conceito de domicílio eleitoral é diferente do conceito de domicílio civil e que, em caso de interesse sobre o assunto, é necessária pesquisa mais aprofundada.
Em relação ao último tópico, a filiação partidária, exige-se, também, o intervalo de um ano para ser aceita no momento do pedido de registro de candidatura – exigência consubstanciada tanto pela Lei das Eleições quanto pela Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995). Desse modo, os eleitores precisam de, no mínimo, um ano de filiação partidária para estarem habilitados a requererem suas candidaturas.
Enfim, conclui-se que um ano antes das eleições o eleitor já terá a possibilidade de saber qual legislação será aplicada ao próximo pleito, quais partidos políticos poderão concorrer e quais serão os possíveis candidatos de sua circunscrição, tanto por conhecerem quanto por terem a possibilidade de conhecer o domicílio eleitoral das pessoas de sua localidade e a relação de filiados a partidos políticos. Entretanto, o conhecimento direto, pelo eleitor, dos possíveis candidatos não é decisivo para a finalidade esperada pela lei, pois o fim buscado é trazer maior estabilidade ao processo eleitoral, garantindo que não haja trocas imprevistas de partido ou de domicílio pelos futuros candidatos.
Em vista disso, essa data é um divisor de águas no processo eleitoral. Daí surge sua importância extraordinária. Não fosse ela, porventura depararíamos com mudanças drásticas e repentinas em vésperas de eleições, o que não se harmoniza com um Estado Democrático de Direito como o nosso.
Dessa forma, o marco eleitoral a que fizemos referência representa uma homenagem ao princípio da segurança jurídica, que é de grande importância para o Direito brasileiro. É nesse sentido que leciona Celso Antônio Bandeira de Melo, para o qual o “Direito propõe-se a ensejar uma certa estabilidade, um mínimo de certeza na regência da vida social. Daí o chamado princípio da ‘segurança jurídica’, o qual, bem por isso, se não é o mais importante dentro de todos os princípios gerais de Direito, é, indisputavelmente, um dos mais importantes entre eles”2. Percebe-se a relevância do princípio, igualmente, nas lições de J. J. Gomes Canotilho, para quem o “homem necessita de segurança para conduzir, planificar e conformar autónoma e responsavelmente a sua vida. Por isso, desde cedo se consideram os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança como elementos constitutivos do Estado de direito”3. Indo além, J. J. Canotilho assevera que o princípio é exigível perante qualquer ato de qualquer poder da República, seja o Executivo, o Legislativo ou o Judiciário. Não menos importante, o Direito Eleitoral não poderia estar alheio ao princípio, seja no momento em que o legislador elaborou as leis eleitorais, seja no momento em que a Justiça Eleitoral organiza as eleições.
Portanto, a segurança jurídica dá ensejo a alguns acontecimentos, inclusive, quando tratamos de Direito Eleitoral, sendo o ano anterior à eleição uma data importante para estabilizar algumas relações entre eleitor e candidatos; eleitor e partidos políticos; e eleitor e Justiça Eleitoral.
1 Bacharel em Direito, servidor do Tribunal Superior Eleitoral, lotado na Escola Judiciária Eleitoral.
2 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013, p. 127.
3 GOMES, J. J. Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. São Paulo: Editora Almedina, 2003, p. 257.