Para que servem as eleições?
Frederico Franco Alvim¹
Tomando de empréstimo a lição de Adalberto Agozino, pode-se dizer que uma eleição nada mais é do que um procedimento pelo qual os membros de uma determinada comunidade elegem seus representantes para que exerçam o governo da mesma². É este, então, seu principal objetivo: colher de um povo a sua vontade, traduzindo-a em um governo admitido.
Mas há que se perceber que, tratando-se de um instrumento, o processo eletivo é, em essência, neutro. Segue-se que nem sempre que se fala em eleição está-se a falar de democracia. Com efeito, a história demonstra que muitos regimes não democráticos também se valeram do método eleitoral. Para ilustrar, reporta-se o que o escritor egípcio Tewfik El-Hakim, em uma de suas obras, declara ter ouvido de um funcionário do governo de seu país:
Minha atitude frente às eleições sempre foi esta: deixar liberdade absoluta a todos para que votem como lhes pareça, até o final do processo. Logo, ir-me tranquilamente à urna, atirá-la no canal e substituí-la com a que havíamos preparado a nosso gosto.³
Na mesma linha, Ceres Moraes, analisando a consolidação de um regime autoritário num país vizinho, assevera que
Um dos aspectos que chama a atenção nessa ditadura imposta ao Paraguai é o fato de que, ainda na década de 50, quando não era comum os ditadores latino-americanos terem preocupações com a legalidade, [Alfredo] Stroessner, ao contrário, durante todo o tempo, preocupou-se em dar aparência de democracia à sua pura e simples ditadura. Para isso, promovia regularmente eleições, das quais só participava o Partido Colorado e, ao mesmo tempo, mantinha proibidas quaisquer atividades dos demais partidos políticos e manifestações reivindicatórias dos sindicatos, entidades estudantis, etc., apesar de serem dirigidos por correligionários.4
A partir dos relatos transcritos, parece claro que o fenômeno das eleições, a depender dos graus de liberdade, legalidade e abertura assumidos, tanto pode servir para dar origem a democracias genuínas, como pode dar força a regimes que ignoram ou afastam-se das expectativas do povo. O fenômeno pode ser explicado a partir das funções atribuídas às eleições.
Partindo de esquema proposto por Leite Pinto, Matos Correia e Roboredo Seara5, enxerga-se, no fenômeno eleitoral, a persecução de quatro funções: (a) proporcionar governo; (b) oferecer legitimação; (c) produzir representação; e (d) gerar participação política.
O oferecimento de governo é resultado alcançado por qualquer espécie de processo eleitoral, seja ele legal, autêntico e legítimo – numa palavra: democrático – ou não.
Também assim, qualquer certame eleitoral demonstra-se capaz de, em certo grau, produzir legitimidade. Não é por outro motivo que bastantes regimes despóticos optaram por realizar eleições, atentos ao valor simbólico que sua celebração carrega, ainda que aquelas tenham sido, sempre, um jogo de cartas marcadas. É que, ainda que simulados, os pleitos eleitorais oferecem às máquinas de propaganda um inegável discurso legitimante. Sempre se pode, quer aos súditos, quer à comunidade internacional, dizer – embora sem razão – que o regime foi aceito pelo povo.
Sem embargo, somente eleições realizadas em marcos de abertura e legalidade apresentam-se aptas a gerar uma legitimidade popular, capaz de conferir ao governo emergente uma estável, densa e pacífica aceitação. Noutras palavras, somente em contornos democráticos, ganha o povo o governo de si, a partir do que se pode falar em representação popular.
Em síntese: embora eleições autoritárias (porquanto simuladas ou não competitivas) também produzam governo e, com muitas ressalvas, legitimidade, apenas as eleições democráticas realizam, em todos os seus sentidos, todas as suas funções. Nesses regimes, os processos eleitorais: (a) franqueiam ao povo a participação política, pela concessão do direito e respeito ao sentido do sufrágio; (b) produzem representação mediante a escolha de cidadãos que, emanados de sua vontade, agirão a serviço do povo; (c) proporcionam à sociedade um governo, assumido pelo grupo a embandeirar as opiniões políticas que se verificaram de preferência majoritária; e (d) legitimam o poder político pela via do consenso, conferindo autoridade suficiente para a realização de seu obrar.
¹ Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso. Especialista em Direito e Processo Eleitoral pela Universidade Federal de Goiás. Pós-graduando em Poder Judiciário, com ênfase em Direito Eleitoral, pela AVM Faculdade Integrada. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais (com orientação em Direito Eleitoral) pela Universidad del Museo Social Argentino e professor de Direito Eleitoral.
² AGOZINO, Adalberto C. Ciencia política y sociología electoral. Buenos Aires: Editorial Universidad, 1997. P. 341.
³ Apud: HERMET, Guy; ROUQUIE, Alain; LINZ, J. J. ¿Para que sirven las elecciones? Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1982. P. 09. Original em espanhol.
4 MORAES, Ceres. Paraguai: a consolidação da ditadura Stroessner – 1954-63. Porto Alegre: Edipucrs, 2000. P. 65.
5 PINTO, Ricardo Leite; CORREIA, José de Matos; SEARA, Fernando Roboredo. Ciência política e direito constitucional. Lisboa: Universidade Lusíada, 2009. P. 358.