Domicílio eleitoral e a revisão eleitoral
Juliana Almeida Pereira1
A crescente onda de convocação de eleitores deflagrada pelos tribunais eleitorais em todo o país traz à tona diversas discussões, dentre elas a necessidade de comprovação de domicílio pelo eleitor ao realizar revisão de sua inscrição (título) eleitoral.
Ao definir como meta a identificação biométrica (captura de assinatura, foto e digitais dos dedos das mãos) de todos os eleitores brasileiros, o Tribunal Superior Eleitoral está determinando gradativamente o comparecimento de eleitores a postos de atendimento e cartórios eleitorais para coleta desses dados.
Além de toda a documentação exigida para comprovar sua própria identidade, o eleitor poderá demonstrar seu domicílio mediante a apresentação de um ou mais documentos dos quais se conclua ser residente ou ter vínculo profissional, patrimonial, comunitário, negocial, afetivo, ou familiar no município, a fim de substituir a exigência de residência ou moradia do cidadão naquele local.
Nesse caso e em todos aqueles em que o eleitor necessita comprovar seu domicílio, fica claro que o domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o domicílio civil – residência –, por ser mais flexível e elástico , podendo ser tanto onde o eleitor reside de fato quanto onde mantém algum outro tipo de vínculo.
Ocorre que, apesar de toda essa elasticidade, existem algumas regras impostas pela legislação eleitoral que contrastam com este amplo conceito e muitas vezes dão a impressão de impedir o livre exercício dos direitos políticos ativos e passivos (direito de votar e ser votado) onde mantém o vínculo que julgar mais forte. Para exemplificar, podemos citar: a revisão e correição eleitoral de ofício, que será determinada pelo TSE sempre que o total de transferências de eleitores for 10% superior ao do ano anterior, ou quando o eleitorado atingir um patamar suspeito (superior ao dobro da população entre 10 e 15 anos, somada à de idade superior a 70 anos do território do município ou superior a 65% da população projetada para aquele ano pelo IBGE) analisados conjuntamente; a responsabilidade atribuída ao eleitor de transferir seu título eleitoral para o novo domicílio, em caso de mudança; e crime eleitoral previsto para o caso de inscrição fraudulenta.
O rigor para comprovar o vínculo do domicílio eleitoral costuma ser exigido dos moradores de municípios de menor porte, onde a diferença entre eleitores e habitantes pode ser significativa, dando a entender a ocorrência de fraude e levando o TSE ou TRE a determinar que a possível irregularidade seja investigada. Isto porque uma pequena diferença em número de eleitores que não tenham nenhum tipo de vínculo e apenas possuam seu título eleitoral naquela localidade em troca de vantagem pessoal pode alterar o resultado das eleições naquele município e prejudicar o alcance da vontade popular, que é o real objetivo da democracia.
Os instrumentos de controle do cadastro eleitoral para coibir as fraudes no alistamento, conforme listados acima, entretanto, devem coexistir em harmonia com o domicílio eleitoral e sua maleabilidade. A tecnologia da biometria já é realidade em todo o mundo e vem acompanhada de benefícios que, em longo prazo, vão trazer ainda mais segurança e confiabilidade às eleições nacionais.
Portanto, a revisão eleitoral, que nada mais é que a convocação de eleitores para conferência de dados e a confirmação de sua veracidade, é necessária para que os famosos eleitores-fantasma deixem de existir definitivamente e também para que uma pessoa possua apenas um título de eleitor, ou seja, para que não haja mais duplicidade de inscrições eleitorais.
Nesse cenário ideal, a proposta de identificação biométrica cumpre sua função e, juntamente com a urna eletrônica, é um importante recurso de garantia de aplicação do amplo conceito de domicílio eleitoral, sem que haja a necessidade de constantes revisões eleitorais; acima de tudo, assegura a integridade e eficácia das eleições e reforça nossa jovem democracia.
1 Analista judiciária do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Goiás e Pós-Graduada em Ciências Penais.