O dia das eleições

Rodrigo Moreira da Silva1

 

O dia das eleições marca o futuro próximo de forma incalculável. Em consequência dessas poucas horas de votação, os quatro anos seguintes serão entregues às mãos de governantes, que estarão à frente de nosso país por esse período. A gestão que lhes é confiada pode nos trazer frutos bons ou ruins, a depender da escolha feita pelos eleitores. Diante de tamanha importância, a legislação eleitoral optou por transformar o dia das eleições em um dia diferente dos demais, associando a ele uma série de direitos, garantias e deveres, atribuídos a todos os participantes desse grande evento.

Ao rememorar o Código Eleitoral, deparamos com o seguinte artigo: “Ninguém poderá impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio”.2 O texto faz parte do título “Das garantias eleitorais”, por meio do qual são conferidos, durante o dia das votações, vários direitos, garantias e deveres aos eleitores. Todavia, não podemos nos restringir a esses poucos artigos – apenas cinco – para definir essa lista, pois devemos fazer uso da interpretação sistemática, isto é, levar em consideração o ordenamento jurídico como um todo, sendo que esses artigos são apenas uma parte de um sistema muito maior: o Direito. Como bem acentua Paulo Nader, “Não há, na ordem jurídica, nenhum dispositivo autônomo, autoaplicável. A norma jurídica somente pode ser interpretada e ganhar efetividade quando analisada no conjunto de normas pertinentes a determinada matéria”.3 O conjunto de normas que, nesse momento, nos é pertinente é o Direito Eleitoral. Assim, devemos remexer tal legislação à procura de mais direitos, garantias e deveres dos envolvidos nesse processo de votação.

As disposições normativas sobre o dia das eleições podem envolver, por exemplo, direitos (dos eleitores e dos partidos políticos), garantias (dos eleitores e dos candidatos), deveres (da Justiça Eleitoral e dos mesários) e restrições (aos partidos, ao policiamento e à manifestação coletiva). Há um emaranhado de normas sobre o assunto, que será tratado adiante.

Partindo do que já foi citado acima, o eleitor não pode ter o exercício do seu voto impedido ou embaraçado, o que incluirá a garantia de não sofrer violência física ou moral contra sua liberdade de votar ou contra o fato de ter votado. Assegura-se tal dispositivo por meio do juiz eleitoral ou do presidente da mesa receptora de votos, que poderão prender o infrator, caso haja violência contra quem exerce seu direito de votar.

Para o rol de garantias, também há o dispositivo que proíbe as autoridades de prenderem o eleitor, desde cinco dias antes até 48 horas depois das eleições. Essa regra somente poderá ser quebrada caso o eleitor esteja em flagrante delito, seja condenado por crime inafiançável ou desrespeite o dispositivo comentado no parágrafo anterior. Nesses casos, o eleitor deverá ser conduzido imediatamente à autoridade competente para ela decidir sobre sua prisão, com a finalidade de, verificando se houve ilegalidade, liberar o eleitor ou, caso não haja irregularidade, manter a prisão.

A garantia de não ser preso, igualmente, protege os membros das mesas receptoras de votos, os fiscais de partido político e os candidatos, porém por períodos diferentes. Os dois primeiros estão garantidos apenas durante o exercício de suas funções, a fim de que os trabalhos eleitorais não sejam interrompidos, nem a fiscalização deles. No caso dos candidatos, a proteção é um pouco mais longa, iniciando 15 dias antes das eleições. Nesses casos, a única exceção se refere à prisão em flagrante delito.

De forma a garantir o bom andamento dos trabalhos de votação, em ato afirmativo ao Código Eleitoral, que não permite qualquer embaraço ao exercício do sufrágio, o presidente da mesa e o juiz eleitoral são as únicas pessoas com atribuição para organizar os trabalhos eleitorais no recinto da mesa receptora de votos. A permanência dentro desse local é lícita apenas aos membros da mesa, aos candidatos, a um fiscal e um delegado de cada partido e, durante o tempo necessário à votação, ao eleitor. A legislação foi rígida nessa previsão, não permitindo a presença de ninguém mais. Nenhuma outra autoridade poderá intervir nos trabalhos, isto é, a Justiça Eleitoral, com exclusividade, dará andamento à votação.

Como consequência do parágrafo acima, nem mesmo à força policial é permitida a presença no recinto das mesas de votação. A legislação obriga que ela se mantenha a uma distância mínima de cem metros, só podendo entrar em caso de ordem do presidente da mesa receptora. A legislação eleitoral optou por mantê-la afastada a fim de evitar o caráter intimidador da presença da força armada dentro dos locais de votação, como também a fim de evitar que esse aparato seja indevidamente utilizado, pois é possível que algum candidato à reeleição para chefe do Poder Executivo tenha a intenção de ordenar às forças policiais que intimidem, de forma totalmente descabida, os eleitores a o reelegerem.

Outra disposição em proveito do sossego dos trabalhos eleitorais e dos eleitores está à vista no art. 240 do Código Eleitoral, segundo o qual é proibido, desde 48 horas antes até 24 horas depois da eleição, qualquer propaganda política mediante radiodifusão, televisão, comícios ou reuniões públicas. Por conta disso, o eleitor não passará pelo inconveniente de ter o exercício de seu voto perturbado pela divulgação de campanhas eleitorais.

Igualmente, no dia das eleições, nem o próprio eleitor poderá perturbar o sossego do exercício do voto de outros eleitores, pois a Lei das Eleições4 permite, no máximo, a manifestação individual e silenciosa da preferência por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente por meio do uso de bandeiras, broches e adesivos. Assim, qualquer tipo de manifestação coletiva não será aceita, como, por exemplo, a aglomeração de pessoas com vestuário padronizado, portando materiais de campanha eleitoral e fazendo o uso, ou não, de veículos.

A fim de evitar que o cidadão seja influenciado, o transporte de eleitores para o local de votação é proibido, podendo ocorrer apenas nas seguintes formas: por meio de veículos disponibilizados pela Justiça Eleitoral; coletivos de linhas regulares e não fretados; uso individual do proprietário, para o exercício de seu voto e de sua família, e serviço normal, sem finalidade eleitoral, de veículos de aluguel. Nesse contexto, os partidos políticos e os candidatos, com a finalidade de não interferirem no exercício do voto, ficam impedidos de oferecer qualquer tipo de transporte aos eleitores, sob pena de responderem pelas consequências da Lei nº 6.091/1974, cometendo, inclusive, crime eleitoral.

Por fim, em função da gravidade, a legislação eleitoral optou por criminalizar algumas condutas atentatórias ao livre exercício do voto. Repare que o Direito Penal é utilizado como último recurso para o Direito, isto é, ao deparar com falhas de todas as demais disposições legislativas, é necessária uma intervenção mais firme do Estado, definindo certas condutas como crime e prevendo penas privativas de liberdade para sanar o mal causado. Dessa forma – após regulamentações atinentes a trabalhos, garantias e propagadas eleitorais e a conduta e transporte de eleitor em dias de votação –, caso ainda persista alguma ofensa ao exercício do voto, faz-se necessário o uso do Direito Penal para cessar a agressão. É nesse sentido que a legislação previu alguns crimes eleitorais que apenas ocorrem em dias de votação.

Dentre os crimes acima, podemos citar: impedir ou embaraçar o exercício do sufrágio (art. 297, CE); usar de violência ou grave ameaça para coagir alguém a votar ou deixar de votar (art. 301, CE); não observar a ordem em que os eleitores devem ser chamados para votar (art. 306, CE); votar ou tentar votar mais de uma vez, ou em lugar de outra pessoa (art. 309, CE); violar ou tentar violar o sigilo do voto (art. 312, CE); usar, no dia da eleição, alto-falante e amplificadores de som ou promover comício ou carreata (art. 39, § 5º, I, Lei das Eleições); arregimentar eleitor ou realizar propaganda de boca de urna (art. 39, § 5º, II, Lei das Eleições); o presidente da mesa receptora deixar de entregar cópia do boletim de urna aos partidos e às coligações que a solicitarem (art. 68, § 2º, Lei das Eleições); fornecer transporte gratuito a eleitor no dia das eleições (Lei nº 6.091/1974), etc.

Portanto, diante de tantas peculiaridades, chega-se à conclusão de que o dia das eleições é um dia diferente dos demais, tanto por mudar a vida das pessoas pelos próximos quatro anos quanto por todas as suas particularidades legislativas. Não é um dia comum. De fato, é inegável que se trata de um dia de extrema importância e que não poderia passar despercebido pela legislação eleitoral.



1 Bacharel em Direito, servidor do Tribunal Superior Eleitoral lotado na Escola Judiciária Eleitoral.

2 Art. 234, CE.

3 PN, p. 278.

4 Art. 39-A da Lei nº 9.504/1997