O financiamento público exclusivo de campanha: uma chance de liberdade
Guilherme Pessoa Franco de Camargo1
Um dos temas que certamente permeará as discussões no Congresso Nacional em 2013 é o financiamento público exclusivo para campanhas eleitorais.
De fato, já adotamos um sistema misto de financiamento de campanha, já que o atual sistema eleitoral depende da contribuição de recursos públicos. Assim, temos recursos públicos e privados utilizados de forma combinada.
O sistema misto permite a utilização de recursos públicos recebidos do Fundo Partidário (Constituição Federal de 1988, art. 17, § 3º e LOPP, art. 44, III) e a gratuidade do horário para propaganda eleitoral no rádio e na televisão (art. 23 da Lei das Eleições), apesar de as emissoras terem direito a compensação fiscal (art. 44 e 93 do Decreto nº 5.331/2005).
A Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), que regulamenta o financiamento de campanhas eleitorais no país, dispõe que a responsabilidade pelas despesas da campanha é dos partidos políticos e de seus candidatos, que ficam autorizados a receber doações de pessoas físicas (até 10% dos rendimentos brutos apurados no ano anterior à doação) ou jurídicas (até 2% do faturamento bruto do ano anterior). A lei deve fixar até 10 de junho do ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para cada cargo e, caso a lei não o faça, poderão os partidos fixar tais limites apenas comunicando à Justiça Eleitoral.
As propostas de reforma ganharam corpo após os escândalos do Mensalão, em 2005, quando denúncias que levaram à condenação de alguns membros do Partido dos Trabalhadores (PT) versaram sobre o uso de “caixa dois” em campanhas políticas nas eleições.
A realidade é que as doações do setor privado acabam por privilegiar políticos ligados a grandes empresas e corporações que destinam verbas milionárias para campanhas de forma a macular o resultado pelo poder econômico exercido. Assim, ficam os candidatos escravizados aos desejos dos seus patrocinadores e cria-se um mecanismo de perpetuação da elite no poder.
O financiamento privado gera um gradiente desproporcional entre os candidatos, fazendo prevalecer a capacidade arrecadatória deles sobre o de suas propostas ou caráter. A matriz da corrupção encontra seu principal fomentador justamente no financiamento privado de campanha, uma vez que a atual legitimidade para realizar tais transações dificulta sobremaneira a atuação dos órgãos fiscalizadores. Se fosse considerado ilegal, seria mais fácil a persecução das movimentações financeiras e a punição dos corruptos.
O dispêndio financeiro das apostas feitas pelos investidores, alimentadas com “dinheiro frio” e circulação monetária em desacordo com as normas legais, exige como contrapartida do candidato a materialização da gratidão expressa em vantagens ilícitas, reinvestimentos, licenciamentos, isenções tributárias, influência no resultado de licitações, em suma, atos que tragam o retorno financeiro pretendido pelos investidores.
Já o financiamento público apresenta como pontos favoráveis a diminuição da corrupção, uma vez que o candidato não ficaria atrelado a favores de investidores privados; o fim do “caixa dois” ou da “lavagem” de dinheiro nas campanhas, o que traria transparência e proporcionalidade ao processo democrático porque ofereceria verbas aos partidos de forma mais igualitária; a possibilidade de um índice menor de poluição e sujeira nas ruas durante o período eleitoral; a valorização do interesse público em detrimento do privado, bem como a atuação ética e com probidade; limites para a arrecadação, desestimulando a deslealdade e infidelidade partidária; e, por fim, os patrocínios privados irregulares seriam mais facilmente perceptíveis. O financiamento público exclusivo pode atuar também como agente moralizador e educativo de longo prazo, porquanto desestimula a utilização do “dinheiro sujo”.
Aqueles que adotam posicionamento contrário ao financiamento exclusivo das campanhas argumentam que existem matérias mais relevantes para o investimento público, como segurança e saúde; que é antidemocrático impedir um cidadão ou empresa privada de apoiar e/ou ajudar financeiramente seu candidato; que esse sistema impediria os partidos menores de crescer com os investimentos particulares; que o candidato é eleito para governar para todos, não podendo ser a maioria punida por crimes de alguns; que seria melhor proibir a propaganda eleitoral gratuita na TV (que custa bilhões ao erário) e permitir a compra de espaço na TV pelos partidos; que o custeamento proporcional levará em conta o número de votos na última eleição, fato que beneficia sobremaneira apenas um partido no país ultimamente, favorecendo o continuísmo e a hegemonia partidária; que, na prática, as contribuições privadas continuariam a ocorrer, mas “por fora”, assim o financiamento público apenas representaria mais dinheiro para as campanhas; que já é possível fiscalizar os gastos de campanha de todos os candidatos; e, por fim, que se trata de renda pública de difícil reversibilidade caso instituída.
De qualquer sorte, o Projeto de Lei no Senado (PLS) nº 268/2011 foi apresentado em 18 de maio de 2005 como conclusão dos trabalhos da Comissão de Reforma Política do Senado Federal e é de autoria dos senadores José Sarney e Francisco Dornelles. A justificativa do projeto é:
[...] a proposta do financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais inspira-se na necessidade de redução dos gastos nessas campanhas, que vêm crescendo exponencialmente no país, bem como na necessidade de pôr fim à utilização de recursos não contabilizados, oriundos do chamado “caixa 2”.
[...] Cabe, ainda, fazer referência ao princípio da igualdade, inscrito no art. 5º da nossa Lei Maior. Esse princípio, como ensina a doutrina, está voltado não só para o aplicador da lei, mas, também, para o legislador. E um dos objetivos que os regimes democráticos têm buscado em matéria de eleições é exatamente o tratamento igualitário dos concorrentes ao pleito, de forma a impedir que alguns alcancem a vitória eleitoral, não pelo convencimento das teses e do programa que propõem e sim em função da arregimentação e da pletora de propaganda eleitoral propiciadas pelo seu poder econômico.
Segundo o Deputado Henrique Fontana (PT-RS), são 200 as grandes empresas que financiam a maior parte das campanhas políticas no Brasil: “Não me venham dizer que isso é investimento na democracia. O poder do dinheiro vale mais do que a força das ideias. Infelizmente, dinheiro resolve e desempata eleição”, afirmou o deputado à reportagem.2
O Supremo Tribunal Federal (STF) agendou para 17 e 24 de junho de 2013 a discussão acerca do financiamento público de campanhas eleitorais. O STF tinha por objetivo obter informações para o julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade – ADI nº 4.650, promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), instituição que também lançou um manifesto de apoio ao financiamento público em parceria com o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Alguns movimentos propõem que, para a transparência nos gastos com as campanhas, seja imposto o uso obrigatório de cartão de débito, transferências bancárias ou cheques nominais pelos partidos e candidatos no trato com o dinheiro público por meio de movimentações bancárias em banco oficial.
Os partidos já recebem recursos públicos do Fundo Partidário (cerca de R$300 milhões por ano), mais meio bilhão a cada dois anos com propaganda eleitoral. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma que os gastos ultrapassam R$3,5 bilhões de reais, sendo que o horário eleitoral gratuito trouxe R$606 milhões em déficit ao contribuinte brasileiro.
A equalização do financiamento público certamente não acabará com a corrupção no país, mas representará verdadeira revolução eleitoral para a redução das irregularidades e ilicitudes que marcam as eleições no Brasil.
Ressalta-se que o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais está diretamente vinculado com a proposta de adoção do sistema de listas fechadas. Isso se deve ao fato de que elas representariam uma economia significativa ao erário e finalisticamente um déficit menor ao já dispendioso custeamento exclusivo público das campanhas.
Para adequar a reforma política, existe a Proposta de Emenda à Constituição – PEC nº 43/2011, fruto da Comissão de Reforma Política do Senado Federal, para a instituição de listas fechadas no país. A PEC prevê o seguinte:
Art. 1º O caput do art. 45 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:
Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em listas partidárias preordenadas, respeitada a alternância de um nome de cada sexo, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal, na forma da lei.
Também justifica a alteração do sistema eleitoral para o de listas fechadas, pois além de menos oneroso aos cofres públicos, afigura-se com mais facilidades no controle dos donativos.
Para reduzir os custos das eleições, também se discute atualmente a unificação das eleições para os cargos políticos, em vez do sistema eleitoral que se movimenta a cada dois anos.
O amadurecimento do processo eleitoral no Brasil permite nesse contexto socioeconômico a mudança da liberdade de financiamento privado e de listas abertas para uma sistemática que privilegie, a longo prazo, custos menores com campanhas eleitorais e combate à malversação do dinheiro público, escorado pela necessidade de obediência à soberania popular. Ressalta-se que combater os casos pontuais de financiamentos privados “por fora” é infinitamente mais fácil a ter que continuar a perseguir os rastros do atual permissivo eleitoral. O fato é que são necessárias medidas que mudem o atual quadro político que alimenta os elevados índices de escândalos de corrupção, sendo que o financiamento público exclusivo de campanha e as listas fechadas são ótimas oportunidades nesse sentido.
1 Advogado do escritório Franco de Camargo & Advogados Associados, atuante nas áreas de Direito Empresarial e Eleitoral.
2 Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/deputados-enterram-financiamento-publico-de-campanha>. Acesso em: 12 maio 2013.