Entrevista
Assista, na galeria ao lado, ao vídeo da entrevista.
Na edição da Revista Eletrônica da Escola Judiciária Eleitoral ano 5, número 4, converso com o Ministro Henrique Neves do Tribunal Superior Eleitoral.
Ministro, muito obrigado por aceitar o convite da EJE. Primeiro, eu queria saber do senhor quais são os modelos de financiamento de campanhas eleitorais existentes.
Eu agradeço o convite. Sobre financiamento de campanha eleitoral, nós temos que, primeiro, dividir: estamos falando de financiamento só da campanha eleitoral, ou financiamento da política? Financiamento da política é o financiamento que se faz anualmente aos partidos políticos. Eles recebem um dinheiro público, do Fundo Partidário, que é distribuído independentemente de existirem ou não eleições. Eles recebem esse dinheiro ao longo dos anos em cotas mensais e também recebem aquelas doações de seus filiados ou de pessoas que lhes são simpáticas – alguns até preveem a possibilidade de se deixar herança para o partido político –, mas aí é o financiamento privado. Este ocorre normalmente todos os anos. Nas campanhas eleitorais, há um financiamento próprio, quer dizer, um financiamento do candidato. Como o candidato vai buscar recursos financeiros para aplicar na sua campanha eleitoral? Como é que ele vai comprar o panfleto ou o cartaz que vai utilizar na campanha? Como é que ele vai pagar o comício, a produção do seu programa de rádio e de televisão? Todo esse aspecto, isso tudo tem um caráter econômico e financeiro e ele tem que buscar os recursos. Então, quando nós estamos falando de financiamento de campanhas eleitorais, existe um grande divisor entre financiamento público e financiamento privado. Alguns países adotam diversas formas de financiamento público, seja quando, por exemplo, se o candidato obtém uma doação de X dinheiros, o Estado vem e coloca exatamente a mesma quantia naquela campanha daquele candidato. Há sistemas em que o Estado vem e entrega todo o dinheiro e cuida de todo o dinheiro da campanha do candidato – o candidato não pode ter nenhum doador, pessoa física, que ele possa buscar. Então, concentra-se apenas naquele dinheiro que o Estado paga para que os candidatos façam a campanha política. De outro lado, nós temos a situação totalmente inversa. Existem alguns países onde o financiamento das campanhas eleitorais é arcado única e exclusivamente pelos eleitores. E na questão dos eleitores, há uma divisão. Quando se fala de financiamento privado, há uma divisão entre aquele financiamento que só pode ser feito pelos eleitores, ou seja, pelas pessoas físicas – não apenas as pessoas físicas, mas aquelas pessoas que, no Brasil, tenham mais de 16 anos, sejam eleitores e possam ou tenham interesse em doar algum dinheiro para o candidato fazer a campanha eleitoral – e há também a outra questão, que são as doações das empresas, ou seja, na doação privada, nós temos que dividir a da pessoa física e a das pessoas jurídicas. Em algumas situações – e aqui no Brasil isso ocorre também –, determinadas pessoas jurídicas são proibidas de doar dinheiro a uma campanha eleitoral – no nosso sistema atual. São aquelas que mantêm contratos de concessão com o estado ou com a União, dependendo de onde é a eleição, e também as entidades públicas. Há um rol extensivo que estabelece quais as pessoas que não podem doar dinheiro para as campanhas eleitorais. Então, basicamente, respondendo à sua pergunta sobre os modos e os métodos de financiamento eleitoral, nós temos o financiamento fora do período eleitoral, que é a distribuição do Fundo Partidário aos partidos políticos, o qual pode ser depois utilizado nas campanhas eleitorais, e, no processo eleitoral propriamente dito, nós temos o financiamento do candidato, o qual pode ser feito através de recursos públicos ou através de recursos privados. No Brasil, nós mantemos um modelo misto: os partidos são financiados, como eu já falei, pelo governo, pelo Estado. Falar “governo” está errado, é pelo Estado, que é o financiador dos partidos políticos. O Fundo Partidário é distribuído entre todos os 32 partidos políticos que existem. Este dinheiro pode ser utilizado na campanha eleitoral. Ao poder ser utilizado na campanha eleitoral, nós estamos falando que o Estado também está doando um dinheiro para que o candidato faça campanha. Então, é um financiamento público. Esse dinheiro que vem do Fundo Partidário e passa pelo partido e, do partido, chega ao candidato ou paga alguma despesa para realização da campanha do candidato é uma forma de financiamento público. Nós temos também o financiamento público para os candidatos através do acesso ao rádio e à televisão. Os partidos políticos têm direito, pela Constituição, a acessar o rádio e a televisão para fazer a propaganda eleitoral, e só podem fazer neste período de eleição, que é o dito horário eleitoral gratuito. Mas é gratuito para os partidos políticos e para os candidatos; ele não é gratuito para o cidadão, ele não é gratuito para o Estado, porque as emissoras têm que ceder o tempo de rádio e televisão e, por conta disso, elas recebem depois uma compensação fiscal para abater da base de cálculo do seu imposto de renda o valor daquele espaço cedido. Esse é um valor relativamente alto que existe todo ano de eleição. Então, é mais uma forma de o Estado financiar a realização das eleições. Os candidatos não podem comprar espaço na televisão, como nos Estados Unidos, onde isso é possível – lá o candidato pode comprar o anúncio e veicular o seu anúncio na televisão. Aqui não, toda a propaganda no rádio e na televisão é arcada mediante compensação fiscal, ou seja, é arcada com recursos que seriam da União. E, ao mesmo tempo em que se tem o modelo com essa característica pública, tem-se o candidato recebendo dinheiro dos doadores, que podem ser as pessoas físicas ou as pessoas jurídicas, de acordo com o nosso modelo atual. E as pessoas jurídicas acabam sendo a maior parte dos doadores nas campanhas eleitorais, são os que trazem maior número de recursos financeiros para as campanhas eleitorais. Mas há também a participação do eleitor. Ao meu ver, sempre, a melhor forma de democracia é o eleitor poder expressar a sua intenção a favor deste candidato ou até eventualmente a favor de alguns candidatos de forma contrária a determinado que não lhe seja interessante.
Então, ministro, as formas de recursos públicos são o horário eleitoral e o Fundo Partidário?
O horário eleitoral e o Fundo Partidário são arcados com recursos da União.
De acordo com a legislação vigente, quais são as fontes de recursos privados para campanha?
Os recursos privados são esses que eu já disse. Atualmente, podem ser as pessoas jurídicas ou as pessoas físicas. Há um limite: o doador não pode doar qualquer quantia. A pessoa física pode doar até 10% do seu rendimento no ano anterior da eleição. Então, vamos dizer, na eleição de 2014, a pessoa que em 2013 ganhou R$3.000,00 por mês, ela ganhou R$36.000,00 por ano, e foi isso que ela declarou à Receita Federal. Então, na eleição de 2014, ela poderá doar 10% de todo esse valor do seu rendimento do ano anterior, ou seja, no exemplo que eu falei, R$3.600,00. As pessoas jurídicas, da mesma forma, podem doar 2% do faturamento bruto que obtiveram no ano anterior da eleição. Então, é esta a limitação que nós temos hoje na legislação brasileira para as doações: 10% para pessoa física, 2% para pessoa jurídica.
Há controle e fiscalização dos recursos utilizados em campanhas eleitorais? Quem exerce essa fiscalização?
A fiscalização existe a partir do momento em que o candidato é escolhido em convenção e pede o registro na Justiça Eleitoral. O partido pode criar o comitê financeiro da campanha, mas o candidato é obrigado a abrir uma conta bancária específica. O candidato é equiparado a uma pessoa jurídica. Então, a Receita Federal – há um convênio com a Receita Federal – rapidamente emite para ele um CNPJ. A pessoa física normalmente teria o CPF, mas o candidato, para o processo eleitoral, recebe um CNPJ específico. É aberta uma conta bancária. Todos os recursos financeiros da campanha dele têm que circular por esta conta bancária. Então, se ele recebe doações, as doações são depositadas nesta conta. Se ele realiza gastos, se ele paga material de propaganda, o material de propaganda tem que sair desta conta bancária. Raras exceções de despesas de muito pequeno valor é que se admitem: pagar um táxi, alguma coisa assim, é que se admite que se utilize dinheiro, mas sem prejuízo de apresentação do comprovante do recibo posteriormente. Mas a grande parte, a parte substancial das campanhas, toda ela tem que ser feita por transação bancária a partir dessa conta. Em agosto e em setembro, o candidato é obrigado a apresentar uma prévia da sua prestação de contas, a qual é disponibilizada, a qual fica disponível na página do Tribunal Superior Eleitoral, dizendo quem foram os doadores até aquele momento da campanha, quanto ele arrecadou e como ele gastou. É apenas um extrato macro dizendo as fontes e os gastos. Agosto e setembro. Acabou a eleição, o candidato tem 30 dias para apresentar a sua prestação de contas. Aí, na prestação de contas é que nós vamos analisar exatamente toda a movimentação financeira. A prestação de contas deve conter os extratos da conta bancária. Então, nós fazemos o batimento para verificar se aquilo que o candidato está dizendo que gastou e que recebeu corresponde ao que consta na conta bancária. Se há alguma inconsistência, pede-se para que ele explique por que e qual a razão dessa inconsistência. Então, todo esse processo é feito, as contas são analisadas e ficam também disponíveis para consulta na página do Tribunal Superior Eleitoral.
A reforma política em andamento no Congresso Nacional prevê alterações na forma de financiamento de campanhas?
Sim. Um dos grandes temas que está sendo discutido hoje no Congresso Nacional é justamente essa matéria do financiamento público. Uma das críticas que se põe é que, no nosso modelo, quando se estabelece que uma pessoa pode doar 10% do rendimento do ano anterior e uma empresa pode doar 2% do faturamento do ano anterior, uma crítica que sempre está presente no debate é que esses métodos de limite, na realidade, permitem que uma grande empresa possa doar milhões de reais, porque teve um faturamento muito grande no ano anterior, ao passo que um pequeno comerciante, que teria também a mesma legitimidade de tentar apoiar o candidato de sua preferência, não poderia doar muito dinheiro porque o seu faturamento no ano anterior, justamente por ele ser pequeno, também foi reduzido. As pessoas físicas, aqueles que ganham um salário menor, somente poderiam fazer uma doação menor e aqueles que ganham altos salários, altos rendimentos ao longo do ano, também poderiam fazer uma campanha, poderiam custear uma campanha de forma muito mais abrangente. Então, uma das críticas que se põe é isso, para que se estabeleçam limites, ou seja, além do limite percentual, que se estabeleça um limite absoluto, um limite de um número fixo. Digamos, o Congresso tem diversas propostas, mas digamos assim, uma empresa pode doar 2% do seu faturamento até o limite de, por exemplo, 1 milhão de reais, ou 3 milhões de reais, ou 500 mil reais, aí caberá ao legislador decidir qual é o limite mais adequado. Com isso, se buscaria uma maior igualdade entre os doadores, para que não exista um doador maior do que outro, não por vontade própria, mas por possibilidade.
Ministro, muito obrigado pelas informações e, mais uma vez, muito obrigado por aceitar o convite da Escola Judiciária Eleitoral.
Sempre é um prazer poder falar com a Escola.
*Entrevista gravada e produzida pela Assessoria de Imprensa e Comunicação Social do TSE.