Os partidos políticos e a prestação de contas partidária
Damiana Pinto Torres1
Este artigo tem como objetivo conceituar os partidos políticos, vistos como peças essenciais para a política dos países democráticos contemporâneos, correlacionando-os com o ato da prestação de contas, instrumento usado para garantir transparência e legitimidade para a atuação partidária, permitindo, como consequência, um maior controle dela pelo Estado e pela própria sociedade.
Em termos conceituais, partidos políticos são organizações destinadas a congregar eleitores que participam dos mesmos interesses, das mesmas ideologias ou da mesma orientação política em relação aos problemas fundamentais do país (CRETELLA JÚNIOR, 1989, p. 703). Ainda, de acordo com Gomes (2012, p. 39), os partidos são os responsáveis por captar e assimilar rapidamente a opinião pública e por catalisar, organizar e transformar em postulados (bandeiras de luta) as díspares aspirações surgidas no meio social, sem que isso implique ruptura no funcionamento do governo constituído. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP (art. 1°), por sua vez, afirma que partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado destinadas a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal.
A Carta Magna, embora não preveja conceito expresso para partidos políticos, indica, no seu art. 17, que
É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados preceitos como caráter nacional e prestação de contas à Justiça Eleitoral.
De acordo com esse artigo, os partidos políticos, embora sejam entidades autônomas capazes de definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e de adotar critérios próprios de escolha das suas coligações eleitorais, e após adquirirem personalidade jurídica, devem cumprir algumas obrigações perante a Justiça Eleitoral, como, por exemplo, o registro dos seus estatutos e a prestação das suas contas.
Embora o registro dos estatutos dos partidos políticos no Tribunal Superior Eleitoral não seja objeto deste artigo, vale a pena ressaltar que é por meio dele que a entidade política adquirirá os direitos previstos na LOPP (art. 7°, §§ 2º e 3º), que são: participação no processo eleitoral; recebimento de recursos do Fundo Partidário; acesso gratuito ao rádio e à televisão; e exclusividade quanto à denominação, sigla e símbolos que utiliza. Ainda, no que se refere a tal registro, de acordo com Gomes (2012, p. 90), só será admitido na Justiça Eleitoral o registro do estatuto do partido que tenha caráter nacional, exigência que visa afastar a estruturação de agremiações com caráter meramente local ou regional.
Quanto à prestação de contas, este é um ato exigido dos partidos após aquisição da personalidade jurídica e consequente registro dos seus estatutos na Justiça Eleitoral. A prestação de contas dos partidos, objeto deste artigo, é regulamentada pela LOPP e tem como finalidade informar, anualmente, à Justiça Eleitoral, e como consequência a todos os cidadãos, o balanço contábil do exercício findo. Essa prestação permite o conhecimento da origem das receitas e a destinação das despesas de cada partido político.
A título de esclarecimento, é válido ressaltar que a prestação de contas dos partidos se diferencia da prestação de contas de campanha, uma vez que esta última é regulamentada pela Lei no 9.504 de 1997, Lei das Eleições, e tem como finalidade primordial exercer o controle financeiro do processo eleitoral de forma a impedir o abuso de poder, notadamente aquele de caráter econômico, e garantir o exercício pleno da cidadania (GOMES, 2012, p. 307-308).
Então, no que se refere à prestação de contas partidária, de acordo com Castro(2010, p. 20), a LOPP impõe às agremiações a obrigação de prestarem contas periodicamente à Justiça Eleitoral no que diz respeito a sua movimentação financeira. Em regra, tal prestação deve ocorrer até o dia 30 de abril do exercício seguinte ao que ocorreu a movimentação, porém, nos anos eleitorais, a lei exige que os partidos políticos enviem os seus balancetes mensalmente à Justiça Eleitoral, o que deve ocorrer durante os quatro meses anteriores e os dois posteriores ao pleito.
Conforme mencionado, a prestação de contas partidária será feita por meio do envio dos balanços contábeis dos partidos à Justiça Eleitoral, os quais deverão conter, dentre outros itens: a discriminação dos valores e a destinação dos recursos oriundos do Fundo Partidário; a origem e o valor das contribuições e doações realizadas; a indicação das despesas de caráter eleitoral, com a especificação e comprovação de todos os gastos efetuados; e, ainda, a discriminação detalhada das receitas e despesas. De posse dessas informações, a Justiça Eleitoral terá condições de fiscalizar os atos realizados pelo partido e atestar se refletem a real movimentação financeira e, especialmente, as normas previstas na LOPP.
A falta ou a desaprovação total ou parcial da prestação de contas realizada pelos partidos tem como consequência a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário2 e sujeita os responsáveis às penas da lei. Tal decisão é passível de recurso a ser dirigido aos tribunais regionais eleitorais ou ao Tribunal Superior Eleitoral, conforme o caso. Além disso, a partir da análise da prestação de contas, é possível que a Justiça Eleitoral determine as diligências que julgar necessárias para complementação de informações ou saneamento de irregularidades encontradas nas prestações realizadas, o que abrange, inclusive, a quebra do sigilo bancário das contas dos partidos.
Como meio de garantir o princípio da publicidade, as prestações de contas deverão ser publicadas na imprensa oficial para conhecimento dos demais partidos e da sociedade. Isso significa que os partidos políticos podem examinar as prestações de contas mensais e anuais uns dos outros, impugná-las, e, ainda, relatar fatos, indicar provas e pedir abertura de investigação para apurar atos que violem determinações legais às quais eles e seus filiados estejam sujeitos.
Enfim, o tema da prestação de contas é de extrema importância para os partidos políticos e, principalmente, para os cidadãos que, a partir dela, têm acesso a informações essenciais para a formação da sua consciência política e podem apreciar com maior cautela a postura ética daqueles que os representam, a quem é imposta uma ação com transparência absoluta.
1 Mestre em Finanças pela Universidade Salvador (Unifacs) e graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Assessora-chefe da Escola Judiciária Eleitoral/TSE.
2 O Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos, conhecido como Fundo Partidário, é constituído por dotações orçamentárias da União, multas, penalidades, doações e outros recursos financeiros que lhes forem atribuídos por lei.
Referências
CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do Direito Eleitoral. 5. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. V. 2. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989.
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
BRASIL. Transparência. Disponível em: http://www.tse.jus.br/transparencia/relatorio-cnj/fundo-partidario. Acesso em: 14 maio 2013.