Pluripartidarismo: o problema é esse?

Luciano Tadau Yamaguti Sato1

 

Já se tornou rotina, a cada dois anos, discutir as mudanças necessárias ao sistema político-representativo brasileiro e, mesmo depois de tantas leis aprovadas sob o rótulo de “reforma” (Lei nº 11.300/2006, Lei Complementar nº 135/2010, Lei nº 12.034/2012 e, mais recentemente, Lei nº 12.875/2013), ainda hoje não se operou a reforma esperada e almejada.

O principal motivo de ainda discutirmos a necessidade da reforma política – muito além da insatisfação particular com o resultado eleitoral ou mesmo de uma indignação coletiva com a política – repousa no fato de não sabermos claramente o que reformar. E por não sabermos o que deve ser alterado, e muito menos compreendermos as causas dos problemas que afligem o sistema politico-representativo brasileiro, o discurso da reforma política cai no vazio para uma maioria que não tem clara a ideia do quê e do como se deve proceder a uma reforma.

Um dos temas da reforma política que tem sido mal abordado é o pluripartidarismo. Propagou-se aos quatros cantos – até se tornar opinião comum – que os partidos políticos não têm ideologia – o que não é totalmente equivocado. Porém, partindo de uma premissa válida, chega-se à conclusão distorcida de que um dos problemas do sistema político brasileiro seria o pluripartidarismo, pois, ao permitir a coexistência de vários partidos numa democracia representativa, as ideologias seriam pulverizadas e se dissolveriam nas diversas agremiações de modo a enfraquecer o papel representativo atribuído aos partidos políticos. A solução seria, portanto, a simples redução do número de partidos políticos como forma de fortalecimento das agremiações e de suas respectivas ideologias.

Tal conclusão é totalmente equivocada, pois, numa sociedade plural e complexa, nada mais consentâneo do que a multiplicidade de partidos que possam representar os diversos segmentos sociais – ou mesmo aquilo que comumente se denomina de ideologia. Ademais, após as experiências ditatoriais vivenciadas na segunda metade do século XX, é consenso entre os cientistas políticos que a base fundamental da democracia não pode se resumir na simples e absoluta vontade da maioria, mas também devem ser respeitadas as minorias.

O problema da falta de ideologia ou pouca representatividade dos partidos políticos não reside, portanto, na pluralidade de partidos, e, sim, numa questão cultural e na formação (ou falta) do senso de coletividade. No entanto, há um fator no atual sistema de promoção dos partidos políticos que propicia o desvirtuamento e o enfraquecimento de sua função representativa: a distribuição de verba pública proveniente do Fundo Partidário e da quota mínima do tempo na propaganda eleitoral gratuita.

O que passa despercebido no discurso sedutor contra o pluripartidarismo é o interesse de uma minoria representada por parcela da classe política que, diante do atual sistema de distribuição do Fundo Partidário e do tempo de rádio e TV, é “obrigada” a se coligar (negociar) com partidos menores para agregar mais tempo em favor de suas coligações, o que distorce o papel institucional dos partidos no sistema representativo. A consequência nefasta é que os partidos deixam de ter valor por propostas e projetos que deveriam representar e passam a ser moeda de troca numa relação promíscua em que o valor de cada partido é medido pelo tempo de que dispõe na propaganda eleitoral gratuita – que, diga-se de passagem, de gratuita não tem nada, considerando a compensação tributária de que gozam as emissoras. Mas isso já é tema para outra discussão.

Entre os pontos debatidos nessa enésima reforma política estão a cláusula de barreira e a cláusula de eficiência, que, em linhas gerais, impõem um critério objetivo mínimo para que cada agremiação partidária possa ter o benefício a uma quota-parte da propaganda eleitoral gratuita e ao Fundo Partidário.

A proposta tem a nítida intenção de restringir o acesso ao tempo de rádio e TV pelos chamados partidos nanicos, impedindo-os de ter acesso incondicional aos benefícios instituídos com o propósito de estimular a pluralidade no processo eleitoral. Infelizmente, porém, a realidade mostra a utilização do benefício como moeda de troca.

O ponto em que poderíamos avançar na discussão das cláusulas de eficiência e de barreira é quanto ao parâmetro de fixação para as eleições federal, estadual e municipal. Na forma como estão dispostas, tanto a cláusula de eficiência quanto a de barreira mantêm como parâmetro para distribuição do Fundo Partidário e da propaganda eleitoral gratuita a representação partidária na Câmara dos Deputados Federal, mantendo-se, assim, uma característica do nosso federalismo centrífugo no sentido de que a representação de cada partido da Câmara Federal regeria a distribuição de benefícios não só na eleição federal, mas também nas eleições estaduais e municipais.

O problema desse parâmetro é que ele é centralizador e inadequado a um país com as dimensões e diversidades como as do Brasil na medida em que não são consideradas as realidades locais e regionais. Na prática, os 5.570 municípios e as 27 unidades federativas devem se ater ao resultado da Câmara dos Deputados Federal para aferir o direito à quota partidária de cada partido político nos demais âmbitos eleitorais (municípios, estados e no DF). 

A distorção produzida pelas normas atualmente vigentes – e em certa medida mantida nos projetos de reforma política – é que boa parte dos partidos não tem representação nos estados e, de forma mais acentuada, não se faz presente nos municípios. Todavia, pelo critério atualmente vigente, partidos com representação na Câmara Federal têm direito ao tempo de propaganda eleitoral gratuita e aos recursos financeiros para utilizar nas eleições estaduais e municipais. Esse aspecto propicia o fenômeno conhecido como partidos de aluguel, em que são formadas coligações para disputas locais e regionais integradas por agremiações que existem somente no imaginário e não têm qualquer identidade e proximidade com a realidade daquele âmbito eleitoral. 

Entendo que deveríamos avançar na discussão sobre a instituição de cláusulas de barreira e de eficiência no sentido de também estabelecermos um critério local e regional, sem prejuízo do federal. Em outras palavras, a distribuição dos benefícios a que cada partido tem direito deveria levar em conta a sua representatividade no Poder Legislativo de cada circunscrição eleitoral, ou seja, a Câmara dos Vereadores, nas eleições municipais, a Assembleia Legislativa, nas eleições estaduais, e a Câmara Federal, na eleição federal, o que fortaleceria não só a representatividade local, mas, sobretudo, a opção e preferência do cidadão em cada âmbito de votação.



1 Bacharel em Direito pela UFPR, pós-graduado em Direito Eleitoral e Processual Eleitoral, advogado e membro da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/PR 2013/2014.