A importância do princípio constitucional da segurança jurídica para o cidadão eleitor

Damiana Pinto Torres1



Ao analisar a Constituição Federal de 1988, é possível perceber o princípio da segurança jurídica estampado de forma implícita em vários momentos, como, por exemplo, no capítulo que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos e no que aborda os direitos políticos, conforme dispositivos abaixo indicados.

A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. (Art. 5°, XXXVI)

Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. (Art. 5°, XXXIX)

A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu. (Art. 5°, XL)

A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. (Art. 16, caput)

É possível entender essa preocupação do legislador como um meio de proteger os direitos dos cidadãos uma vez que o princípio constitucional da segurança jurídica pode ser considerado um dos pilares do Estado democrático de direito e a forma de garantir estabilidade e paz nas relações jurídicas.

A fim de compreender melhor o princípio da segurança jurídica, é importante mencionar que ele tem como objetivo proteger e preservar as justas expectativas das pessoas2. Nesse sentido, é possível notá-lo como um instrumento capaz de assegurar a previsibilidade esperada pela sociedade que pode advir tanto da lei (ou melhor, do Direito positivo) quanto dos juízes e tribunais (ou seja, daqueles que exercem a jurisdição).

A presença do princípio da segurança jurídica em diversas partes da Lei Maior indica a sua aplicabilidade a vários ramos do Direito, os quais vão desde o Direito Processual (como indicado no art. 5°, inciso XXXVI) até o Direito Penal (como indicado no art. 5°, incisos XXXIX e XL).

Ao aplicá-lo ao Direito Eleitoral, necessário se faz observar o artigo acima exposto (art. 16 da CF/1988), que trata da anualidade da Lei Eleitoral, garantia que integra o rol daquelas que compõem o princípio da segurança jurídica (tais como a anterioridade e a irretroatividade)3 e que foi inserida na Constituição de 1988 pela Emenda Constitucional n° 4, de 1993.

A garantia da anualidade da Lei Eleitoral determina a observância de certo período (vacatio legis) durante o qual uma lei nova que altere o processo eleitoral, embora entre em vigor, não produza efeitos nas eleições. Conforme prescreve a Constituição, esse período deve ser de pelo menos um ano, contado a partir da data em que a lei entrou em vigor.

A aplicação da anualidade da lei ao Direito Eleitoral nada mais é do que uma forma de garantir a estabilidade que o candidato e, principalmente, o cidadão eleitor esperam. Com essa regra, objetiva-se impedir o “casuísmo eleitoral” decorrente de alterações do processo eleitoral capazes de favorecer ou prejudicar os partidos e seus respectivos candidatos, gerando, assim, instabilidade na disputa das eleições em andamento no momento em que a lei foi editada4.

De acordo com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.685-8/DF, a Ministra Ellen Gracie, relatora, afirmou que

[...] é a própria Constituição que estipula um limite temporal para a plena aplicabilidade das novas regras que venham a alterar o processo eleitoral. Por critério do legislador originário, somente após um ano contado da sua vigência, terá a norma aptidão para reger algum aspecto do processo eleitoral sem qualquer vinculação a circunstância de fato anterior à sua edição. A eleição alcançada nesse interregno fica, por isso, blindada contra as inovações pretendidas pelo legislador, subsistindo, assim, a confiança de que as regras do jogo em andamento ficarão mantidas5. (Grifo nosso.)

Nesse mesmo sentido, foram os votos de alguns dos ministros que participaram da sessão de julgamento em que foi analisada a ADI nº 3.685-8/DF. O Ministro Joaquim Barbosa em seu voto assegurou que

[...] não é preciso grande esforço interpretativo para se concluir que mudança, introduzida há poucos meses do início formal da disputa eleitoral, caso tenha admitida sua aplicação às eleições do corrente ano, não apenas interferiria de maneira significativa no quadro de expectativas que o eleitor (titular dos direitos políticos) e as agremiações partidárias vinham concebendo em vista do pleito que se avizinha, mas também – e isso não há dúvida – teria formidável impacto no respectivo resultado6. (Grifo nosso.)

Ainda, o Ministro Gilmar Mendes falou em seu voto que

[...] o art. 16 da Constituição, ao submeter a alteração legal do processo eleitoral à regra da anualidade, constitui uma garantia fundamental para o pleno exercício de direitos políticos. As restrições a essa regra trazidas no bojo da reforma constitucional apenas serão válidas na medida em que não afetem ou anulem o exercício dos direitos fundamentais que conformam a cidadania política. Uma vez que essa situação jurídica dos candidatos se encontra caracterizada na forma das normas vigentes do processo eleitoral, eventual alteração significativa nas “regras do jogo” frustrar-lhes-ia ou prejudicar-lhes-ia as expectativas, estratégias e planos razoavelmente objetivos de suas campanhas7. (Grifo nosso.)

Assim, diante da simples análise da anualidade da Lei Eleitoral, resta evidente a importância para o eleitor do princípio da segurança jurídica, que se constitui como relevante meio de garantir o direito do cidadão contra alterações abruptas nas regras inerentes ao processo eleitoral.



1 Mestre em Finanças pela Universidade Salvador (Unifacs) e graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (Uniceub). Assessora-chefe da Escola Judiciária Eleitoral/TSE.

2 DANTAS, B. Direito fundamental à previsibilidade das decisões judiciais. Revista Justiça e Cidadania, edição 149, janeiro de 2013.

3 TORRES, H. Temporalidade de segurança jurídica. Revista da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. Disponível em: <http://www.pgfn.fazenda.gov.br/revista-pgfn/ano-i-numero-i/heleno.pdf> Acesso em: 24 jan. 2013.

4 PAZZAGLINI, M. Princípio constitucional da segurança jurídica. Disponível em: <http://www.paesepazzaglini.com.br/artigo_view.asp?ID=17> Acesso em: 24 jan. 2013.

5 Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14996/eficacia-imediata-da-lei-ficha-limpa-e-o-principio-da-anualidade-eleitoral> Acesso em: 24 jan. 2013.

6 Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14996/eficacia-imediata-da-lei-ficha-limpa-e-o-principio-da-anualidade-eleitoral> Acesso em: 24 jan. 2013.

7 Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14996/eficacia-imediata-da-lei-ficha-limpa-e-o-principio-da-anualidade-eleitoral> Acesso em: 24 jan. 2013.