E quando a urna quebra durante a votação?
Ana Heloisa de Aragão Bastos1
Dia de eleição no Brasil é dia de celebração da democracia no país. Nesse dia, é bastante comum encontrar eleitores com ânimos exaltados, ansiosos e impacientes para realizar o voto na urna eletrônica. Soma-se a esse contexto emocional a falta de conhecimento do processo eleitoral envolvido, e qualquer falha na urna eletrônica transforma-se em combustível para as mais variadas “teorias da conspiração”.
Procedimentos corriqueiros, previstos em resolução2, como a substituição de urnas em caso de falha, acabam resultando em inseguranças por parte do eleitor em relação à transferência dos votos já depositados para a nova urna, ou à possibilidade de um eleitor votar outra vez, ou ainda à existência de outros votos nessa nova urna.
Este texto procura trazer informação a respeito dos procedimentos de contingência permitidos e adotados pela Justiça Eleitoral que ocorrem na seção eleitoral, no dia da eleição, e que podem vir a ser presenciados por qualquer eleitor.
Urna eletrônica – Modelos diversos e possibilidade de falha
Ao contrário do que parece, não há apenas um modelo de urna por eleição, mas vários modelos. As urnas são fabricadas levando-se em consideração um período de mais ou menos dez anos de uso.
Eleição após eleição, procura-se manter a mesma interface externa (por exemplo, formato e disposição do teclado) com o propósito de aproveitar a experiência com o dispositivo já adquirida pela ampla maioria do eleitorado; porém, internamente as urnas evoluem, com a adição de novos dispositivos de segurança ou com mais memória interna, entre outras melhorias. Nas eleições de 2014, seis modelos de urnas coexistiram, o mais antigo deles com dez anos de existência.
Diante desse cenário, embora sejam adotados inúmeros procedimentos de testes e manutenções preventivas a fim de evitar a ocorrência de problemas durante a votação, a urna eletrônica, como qualquer outro dispositivo eletrônico, pode apresentar falhas no dia da eleição.
Da segurança na continuidade da votação quando a urna falha
Ciente da possibilidade de falha da urna eletrônica, a Justiça Eleitoral prevê mecanismos a serem adotados nesse caso – são os procedimentos de contingência –, todos previstos em resolução, a fim de preservar e evitar a perda do que há de mais precioso no processo eleitoral, que são os votos dos eleitores. Esses procedimentos buscam também garantir a continuidade da votação, sem desconsiderar as necessidades de transparência e segurança que permeiam o processo eleitoral como um todo.
O primeiro procedimento de contingência indicado é o simples ato de desligar e religar a urna eletrônica. Esse procedimento é realizado pelo próprio mesário (no caso, o presidente da mesa), à vista dos fiscais presentes. O simples reinício da urna eletrônica, de forma análoga ao reinício de outros dispositivos eletrônicos (computadores, telefones celulares), não altera informações já gravadas em cartões de memória, ou seja, nem os votos já gravados nem a informação de quais eleitores já votaram sofrem alteração.
Caso o problema persista, os procedimentos são:
a) Reposicionamento de cartão de memória
Na urna eletrônica, existem dois cartões de memória, um interno à urna e outro externo. Durante a preparação das urnas, o cartão externo pode não ter sido inserido de forma correta. Nesse caso, o simples reposicionamento desse cartão pode resolver a falha. Esse procedimento requer reposição de lacre com as devidas assinaturas indicadas em resolução.
b) Substituição do cartão de memória externo
Ao longo da votação, as informações (votos, comparecimento de eleitores) são gravadas tanto no cartão de memória interno quanto no cartão de memória externo. O cartão de memória externo funciona como um backup das informações coletadas durante a votação. A substituição do cartão de memória externo resolve situações de falha durante a gravação da informação nesse cartão, bem como situações de cartão danificado. Esse procedimento consiste no desligamento da urna e substituição do cartão de memória danificado por um cartão de memória de contingência. Ao ser novamente ligada, a urna detecta automaticamente a existência do cartão de contingência e tenta sincronizar (copiar) o conteúdo do cartão de memória interno com o novo cartão externo. A partir daí, a votação pode continuar exatamente de onde parou, ou seja, tanto os votos computados quanto o registro de quais eleitores já votaram são mantidos. Lacres rompidos devem ser devidamente repostos e assinados, bem como o cartão externo defeituoso deve ser colocado em envelope específico, lacrado e remetido ao local designado pela Justiça Eleitoral e resguardado para análises ou eventuais auditorias posteriores.A geração dos cartões de memória de contingência segue os mesmos ritos de divulgação e representação, exigidos em resolução, para geração de qualquer mídia para a urna eletrônica.
c) Uso de urna de contingência – substituição da urna com falha
Além das urnas preparadas para cada uma das seções eleitorais, existem urnas de reserva que podem ser usadas para substituir as urnas de votação em caso de falha – são as urnas de contingência. Essas urnas de contingência contêm todos os aplicativos da Justiça Eleitoral necessários à realização da votação, porém não estão configuradas para nenhuma seção eleitoral específica, ou seja, não contêm informações de eleitores e muito menos registro de quaisquer votos. O procedimento de substituição da urna consiste na retirada do cartão de memória externo da urna com defeito e na inserção desse cartão na urna de contingência. Após essa inserção, a urna de contingência, ao ser ligada, sincroniza as informações do cartão de memória externo com o cartão de memória interno da urna de contingência. A partir desse momento, a urna de contingência passa a operar como urna de votação da seção onde ocorreu a falha, permitindo a continuidade da votação sem perda dos votos já computados nem da informação de quais eleitores já votaram. A preparação dessas urnas de contingência é prevista em resolução e ocorre de forma análoga à preparação das urnas de votação, ou seja, é um trabalho que requer os mesmos procedimentos de divulgação e representação para que aconteça.
Caso os procedimentos de contingência não obtenham êxito, só então a votação deverá prosseguir com o uso de cédulas de papel até o encerramento. Para isso e a fim de permitir eventual auditoria pós-eleições, várias providências devem ser adotadas, como as lacrações tanto da urna defeituosa quanto da urna de contingência e os respectivos envios para a junta eleitoral e equipe designada pelo juiz eleitoral.3
No primeiro turno das Eleições 2014, houve a substituição de 5.275 urnas em todo o País, o que representa pouco mais de 1% das quase 450 mil urnas usadas nas eleições. No segundo turno, esse número foi ainda menor: 3.480 urnas, o que representou menos de 1% do total de urnas.4
A diretriz que norteia todos os procedimentos de contingência listados anteriormente é garantir a continuidade da votação, preservando votos já depositados bem como a informação de quais eleitores já votaram, sem desconsiderar as necessidades de transparência e segurança que permeiam o processo eleitoral como um todo.
1 Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Analista judiciário no Tribunal Superior Eleitoral lotada na Seção de Voto Informatizado.
2 O Tribunal Superior Eleitoral expede resoluções, que são normas gerais e abstratas regulamentando e orientando a aplicação da Lei Eleitoral nas eleições, sem, contudo, criar, extinguir ou modificar direitos ou sanções que não estejam na lei.
3 Todos os procedimentos de contingência listados neste texto são detalhados na Resolução-TSE n° 23.399, de 17 de dezembro de 2013, que dispõe sobre os atos preparatórios para as eleições de 2014.
4 Informações obtidas a partir do Sistema de Business Inteligence do TSE, opção Estatísticas 2014.