50 anos da primeira consulta popular nacional realizada no Brasil

1993 – Consulta plebiscitária nacional (forma e sistema de governo).

Vanessa de Carvalho Vaz1

Meio século atrás, em 1963, foi realizada a primeira consulta popular nacional brasileira: um referendo para definir os rumos políticos da história do país. A consulta foi sobre a continuação ou não do sistema de governo parlamentarista.  Para entender o motivo disso, vamos voltar um pouco na história.

Tudo começou com a renúncia do presidente Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Na época, os ministros da Guerra, Aeronáutica e Marinha lançaram manifesto no qual declaravam não aceitar a substituição de Jânio pelo seu vice, João Goulart, que estava de viagem à China comunista. Uma semana após a renúncia de Jânio, o Congresso votou às pressas uma emenda que retirava os poderes da presidência, e institui o sistema parlamentarista de governo. O ato previa também a realização de uma consulta popular para saber se seria mantido ou não o parlamentarismo.

É sabido que a consulta popular é um dos meios (art. 14 da CF/1988) que o cidadão tem para exercer a democracia direta ou participativa e ocorre sempre que a população é chamada a opinar diretamente sobre um assunto específico e importante. Ela pode ser feita de duas formas: por meio de plebiscito, quando o cidadão opina previamente sobre a possível criação de uma lei; ou por meio de referendo, quando uma lei aprovada por um órgão legislativo é submetida à aceitação ou não dos eleitores. Nos dois casos, a realização e a proclamação do resultado são de responsabilidade da Justiça Eleitoral.

Assim, há 50 anos, o TSE e todos os servidores e colaboradores da Justiça Eleitoral trabalharam para garantir que todos os eleitores, espalhados pelos 23 estados e pelos territórios de Amapá, Roraima e Rondônia, pudessem participar do referendo de 6 de janeiro de 1963 e opinar sobre os rumos da política nacional.

Era preciso preparar toda uma estrutura de eleição nacional, de modo que cada eleitor de cada rincão do país pudesse ter acesso a sua seção eleitoral, com cabine de votação inviolável (para o voto poder ser realmente secreto), para manifestar sua opinião em uma cédula oficial de votação do referendo e colocá-la numa urna da época, fora todo o sistema de apuração organizado para garantir uma eleição mais segura, legítima e livre de fraudes.

O resultado do referendo foi que 76% do eleitorado brasileiro de 1963 disseram “não” ao parlamentarismo e, com isso, o Brasil voltou ao presidencialismo, e João Goulart passou a ter poderes de presidente. Mal sabia ele que em março do ano seguinte (1964) ele sofreria um golpe de estado, começaria a ditadura militar e a democracia só voltaria 20 anos depois. Mas essa é outra história...  Por enquanto, o debate sobre qual era (ou é) o melhor sistema de governo para o país parecia estar encerrado.

Além dos 50 anos da primeira consulta popular em âmbito nacional, em 2013 também comemoramos 20 anos da segunda consulta, dessa vez em forma de plebiscito, realizado em 21 de abril de 1993. Previsto na Constituição de 1988 (no art. 2º do ADCT), o plebiscito de 1993 reascendeu um antigo dilema nacional e acrescentou uma nova questão ao debate: qual é o melhor sistema de governo para o país – o presidencialismo ou o parlamentarismo? E a melhor forma de governo – a monarquia ou a república?

Quanto ao sistema de governo, 36 milhões e meio de brasileiros optaram pelo presidencialismo. A respeito da forma de governo, a republicana ganhou, com mais de 43 milhões de votos.

Mas a grande novidade dessa consulta popular nacional de 1993 foi o chamado voto em trânsito. Embora estivessem fora de sua cidade e/ou estado, 551.043 eleitores puderam exercer o direito/dever do voto e expressar sua opinião sobre os rumos do destino político do país. Esse plebiscito consolidou a forma e o sistema de governos que temos hoje.

A terceira e última (até o momento) consulta popular realizada em nível nacional ocorreu no dia 23 de outubro de 2005, em forma de referendo. A população foi perguntada sobre a proibição do comércio de armas de fogo e munições no país. Mas, diferentemente das outras consultas, nas quais o eleitor fez uso da cédula de papel, no referendo de 2005 foi utilizada a urna eletrônica.

Vale lembrar que, para chegar ao sistema de votação eletrônico, tivemos que passar por muitas fases. Primeiro, em 1986, foi criado um cadastro único e informatizado de eleitores por meio do recadastramento nacional de elei¬tores; segundo, em 1994, foi implantada a informatização da totalização dos votos, isto é, os votos foram apurados manualmente, mas digitados e totalizados por computadores; e, por fim, nas eleições municipais de 1996, iniciou-se, gradativamente, a implementação do voto eletrônico no país, quando cerca de um terço do eleitorado brasileiro votou pela urna eletrônica.

Voltando ao referendo de 2005, em 23 de outubro, os eleitores foram convocados a responder à seguinte pergunta: o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil? Compareceram às urnas 95.375.824 eleitores. A opção “não” venceu com mais de 59 milhões de votos, contra a opção “sim”, que obteve 33 milhões de votos, na maior consulta popular informatizada do mundo.


Além disso, uma novidade para a democracia participativa: a Justiça Eleitoral desenvolveu uma urna eletrônica apta a receber ao mesmo tempo os votos dos candidatos aos cargos eletivos e as respostas referentes às consultas de um plebiscito ou referendo.

Antes, para se fazer uma consulta no mesmo dia da eleição, era preciso utilizar duas urnas diferentes, duas cabines, o que aumentava os custos. Um exemplo disso foi o referendo regional do Acre sobre a mudança ou não de horário oficial do estado em relação a Brasília. A consulta ocorreu junto com as eleições de 2010 e foram usadas duas urnas, uma para votação e outra para o referendo.

Com a nova tecnologia desenvolvida, hoje é possível fazer consultas (plebiscitos e referendos) junto com uma eleição, utilizando-se uma única urna eletrônica. Foi o que aconteceu nas eleições municipais de 2012. No mesmo dia e na mesma urna em que escolhiam seus futuros prefeitos, vices e vereadores, eleitores de cinco municípios de dois estados (RO e RN) puderam responder também a três plebiscitos locais acerca de criação, desmembramento e mudança de nome de município.

Meio século após a primeira consulta popular nacional realizada no Brasil, com todo o avanço da política, do Direito Eleitoral, da tecnologia, fica o desafio de fazer da nossa democracia uma democracia mais participativa e direta, com mais consultas populares, mais plebiscitos e referendos.



1 Formada em jornalismo pela UnB. Já trabalhou na TV Câmara e no Banco do Brasil. Atualmente, é servidora do Tribunal Superior Eleitoral, lotada no Núcleo de TV e Rádio.