A soberania popular e o resultado das eleições
O resultado das eleições é uma das principais manifestações da soberania popular. É um evento único na democracia, em que o poder do povo transparece no resultado de uma disputa eleitoral para a escolha dos próximos governantes. É essa soberania que os legitima a tomarem a frente do povo, representando-o.
O exercício do poder é legitimado pela escolha popular, portanto o governante regularmente eleito nas urnas estará apto a exercer o mandato eletivo. Tornar-se legítimo, pela literalidade da palavra, é o mesmo que tornar-se legal, válido, puro, perfeito ou regular. “Assim, a soberania popular se revela no poder incontrastável de decidir. É ela que confere legitimidade ao exercício do poder estatal. Tal legitimidade só é alcançada pelo consenso expresso na escolha feita nas urnas.”2 Logo, permite-se, por meio da soberania popular, que os mandatos eletivos sejam exercidos de maneira legal, em conformidade com a lei, pelo simples fato de terem sido regularmente preenchidos por pessoas escolhidas pelo povo.
Porém, essa não é uma escolha tão simples, visto que se trata de uma manifestação política, de tal forma que apenas as pessoas em regularidade com seus direitos políticos poderão votar. Em virtude disso, não poderão participar desse processo de escolha quem sofrer a perda ou a suspensão de seus direitos políticos, o que, de acordo com o art. 15 da Constituição Federal, somente ocorrerá nas hipóteses de: cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; incapacidade civil absoluta; condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa; e improbidade administrativa.
Dessa forma, no pleito eleitoral, reúnem-se pessoas com direitos políticos no intuito de eleger seus governantes, utilizando-se, para tal empreitada, da soberania popular.
A soberania popular vem preconizada, de plano, no primeiro artigo da Constituição Federal, segundo o qual:
Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
No art. 14 da CF/88, podemos encontrar a forma como se exerce essa soberania:
A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos [...].
Diante dos artigos mencionados, pode-se observar que não há outro poder acima do poder do povo (soberania popular) e que esse poder é repartido de forma igual (princípio da igualdade) entre todos os cidadãos.
Por soberania entende-se:
[...] o poder supremo, ou o poder que se sobrepõe ou está acima de qualquer outro, não admitindo limitações, exceto quando dispostas voluntariamente por ele, em firmando tratados internacionais, ou em dispondo regras e princípios de ordem constitucional.3
O poder do povo é soberano, conforme determina o próprio texto constitucional, o que lhe confere a característica de se sobrepor a qualquer outro que venha a surgir, cabendo apenas limitações criadas pelo próprio poder popular.
O poder é de titularidade do povo, que é composto por milhões de pessoas. Assim, a única forma justa de distribuí-lo é colocá-lo em iguais medidas nas mãos de cada cidadão, primando pelo princípio da igualdade. Portanto, cada cidadão carrega consigo uma parcela do poder soberano, que, sozinha, não representa mais que um contra milhões, mas que, juntas, representam o mais elevado poder existente em nosso ordenamento jurídico: a soberania popular. José Afonso da Silva, fazendo referência aos ensinamentos de eminente filósofo, afirma:
Aristóteles já dizia que a democracia é o governo onde domina o número, isto é, a maioria, mas também disse que a alma da democracia consiste na liberdade, sendo todos iguais. A igualdade, diz, é o primeiro atributo que os democratas põem como fundamento e fim da democracia. E assim ele acaba concluindo que toda democracia se funda no direito de igualdade, e tanto mais pronunciada quanto mais se avança na igualdade.4
Nesse contexto, a igualdade é um dos alicerces fundamentais da soberania popular, não podendo, sequer, cogitar a existência de apenas um cidadão com mais poderes políticos que outro. Para cada homem, um voto.
Portanto, nas eleições, os cidadãos juntos (detentores de parcela do poder soberano), decidem, em condições de igualdade, o futuro político do país, elegendo os candidatos que acharem mais aptos ao exercício do mandato. O povo é governado, então, por um representante democraticamente indicado nas urnas, que, a partir daí, conduzirá o país pautado pela vontade do povo.
Em função disso, não importa quão apertada seja uma disputa eleitoral, o resultado das eleições sempre refletirá a vontade do povo, e o candidato eleito sempre deverá governar para todos, em vez de governar apenas para seus eleitores. Em outras palavras, a condução de nosso país não pode ser feita de costas para o povo ou para parte dele. Assim quis a Constituição Federal quando atribuiu o poder soberano à população. O acirramento do resultado das eleições não deslegitima o governo eleito, logo, ainda que por pequena diferença de votos, o candidato eleito estará perfeitamente legitimado para o exercício do cargo eletivo. Consequentemente, o resultado das eleições revela a vontade de todos, a vontade do povo.
É natural que a parcela da população que atribuiu seu voto ao candidato perdedor sinta algum tipo de incômodo pela chegada ao poder do candidato adversário. Entretanto, esse é um peso que o cidadão tem de carregar para que a vida democrática em um país civilizado seja viável; caso contrário, teríamos governos autoritários, o que, de fato, agradaria menos que a aceitação da derrota de um candidato nas urnas.
1 Bacharel em Direito, servidor do Tribunal Superior Eleitoral lotado na Escola Judiciária Eleitoral.
2 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 7. ed. São Paulo: Atlas Jurídico, 2011, p. 38.
3 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia Carvalho. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 1.308.
4 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 27. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 129.