Justiça Eleitoral e educação para a cidadania
Daniel Carvalho Oliveira*
A Justiça Eleitoral brasileira passou por diversas transformações ao longo da sua história, tendo a sua fase moderna iniciado em 24 de fevereiro de 1932, com a edição do Decreto nº 21.076, que criou o então Tribunal Superior da Justiça Eleitoral, atualmente denominado de Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Anteriormente a esse período, temos o que se denomina fase pré-institucional da Justiça Eleitoral. Assim como na história do Brasil existe o período pré-colonial, a Justiça Eleitoral teve o período pré-institucional, cujo início se deu em 1500, com o descobrimento do Brasil, passando pelo ano de 1822, independência do Brasil, e se encerrando em 1932, ano de criação do então Tribunal Superior da Justiça Eleitoral.
Merecem destaque os avanços feitos pela Justiça Eleitoral após a Constituição de 1988. Com essa Carta Magna, a redemocratização do Brasil e a consolidação democrática por que passamos a cada eleição, observamos um crescente avanço institucional do papel da Justiça Eleitoral.
É a Justiça Eleitoral responsável pela condução das eleições no Brasil, bem como a garantia da legitimidade do processo eleitoral e o livre exercício do direito de votar e ser votado, tudo isso com o fim maior de garantir e fortalecer o regime democrático.
Nesse contexto, o patamar em que os órgãos da Justiça Eleitoral estão inseridos na sociedade brasileira contemporânea é o de maior e melhor respeitabilidade desde o período pré-institucional até os dias de hoje. Além disso, a Justiça Eleitoral se fortalece com as boas e importantes ações do Ministério Público Eleitoral e da Advocacia Eleitoral.
Forte nessas razões e não por acaso denomina-se o Tribunal Superior Eleitoral como o “Tribunal da Democracia”, nas palavras do ex-presidente do TSE e ministro do STF, Ricardo Lewandowski.
Não obstante esses avanços institucionais, além dos tecnológicos, com a implantação da urna eletrônica e do voto biométrico, há que se discutirem os desafios do novo milênio para a Justiça Eleitoral brasileira.
Nesse ponto, cabe destacar a temática da educação e o papel da Justiça Eleitoral a ser exercido pelas escolas judiciárias eleitorais. Para fins de desenvolvermos uma educação cidadã no Brasil, faz-se necessário uma maior participação e colaboração da Justiça Eleitoral de modo a se aproximar da sociedade em geral e conscientizar a população do exercício do voto limpo, livre e consciente.
Democracia sem educação cidadã é mera ilusão, cabendo à Justiça Eleitoral, por meio das escolas judiciárias eleitorais, colaborar e, por que não dizer, protagonizar um processo de aproximação com a população e a sociedade em geral de modo a conscientizá-la sobre a democracia, a cidadania e o exercício do voto.
A Justiça Eleitoral brasileira1 é um ramo especializado do Poder Judiciário e atua em quatro áreas: jurisdicional, em que se destaca a competência para julgar questões e os processos eleitorais; administrativa, na qual é responsável pela organização e realização de eleições, referendos e plebiscitos; consultiva, que corresponde a respostas sobre questionamentos jurídicos relevantes; e regulamentar, em que elabora normas referentes ao processo eleitoral e disciplina a aplicação da Lei Eleitoral em cada eleição especifica.
Em verdade, os avanços na atuação administrativa da Justiça Eleitoral nos últimos anos dão conta de que é irreversível o processo de aproximação cada vez maior desse ramo do Poder Judiciário com a população. E junto com isso, temos a já citada “educação cidadã para a democracia”.
Oportunamente, indaga-se: como pode, efetivamente, a Justiça Eleitoral dar a sua parcela de contribuição na construção da educação cidadã? Responderemos a essa questão com algumas experiências positivas e práticas da própria Justiça Eleitoral brasileira.
O primeiro exemplo é o Projeto Eleitor do Futuro2, idealizado pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, quando corregedor do TSE, e implantado por alguns estados da federação em parceria com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
No TSE, tal projeto é assim disciplinado:
O projeto Eleitor do Futuro foi concebido para estimular a participação cidadã de crianças e adolescentes no processo eleitoral. A Justiça Eleitoral brasileira acredita que a formação das crianças e dos adolescentes inclui a capacitação e mobilização dos jovens para o exercício consciente do voto no processo democrático. As escolas judiciárias (do TSE e dos TREs) são responsáveis pela gestão do projeto, que é feito em parceria com agentes e instituições públicas e privadas. O Eleitor do Futuro inclui atividades diversas, como aulas, palestras e seminários; visitação a casas legislativas, a órgãos do Poder Judiciário e demais setores da administração pública.
O segundo exemplo, também inovador, que pode ser implantado nos estados, são os centros de memória da Justiça Eleitoral, nos moldes do Centro de Memória do TSE3. Esses centros de memória poderiam ser chamados de Centro de Memória da Democracia, tendo o papel de difundir, pela arte e pela cultura, o ideal democrático.
Essas duas iniciativas dão conta do quanto é importante a participação da Justiça Eleitoral no desenvolvimento e fortalecimento da educação cidadã. Além dessas, outras iniciativas podem ser citadas no sentido de confirmar a importância da Justiça Eleitoral ao desenvolver ações no sentido de promover a educação cidadã, garantindo, via de consequência, a preservação e o fortalecimento da democracia.
Falar em democracia e educação sem citar Norberto Bobbio4 seria um pecado jurídico e até mesmo democrático. Pois bem, vamos à reflexão trazida pelo escritor, em sua obra O futuro da democracia, para o qual a apatia política dos cidadãos compromete o futuro da democracia.
Tal fenômeno é observado inclusive em países de grande tradição democrática, sejam eles ricos e desenvolvidos ou não. Dentre as promessas não cumpridas para a consolidação do ideal democrático, aponta o autor o relativo fracasso da educação para a cidadania, de modo que, por vezes, os cidadãos de hoje podem ser comparados com os súditos de outrora.
Um fenômeno que observamos nas eleições de 2012 e que chama a atenção diz respeito aos constantes percentuais das pesquisas eleitorais que apontam para a pouca credibilidade ou mesmo pouco interesse do eleitor para eleger seus parlamentares junto às câmaras municipais, o que evidencia o pouco respaldo institucional ou mesmo descrédito de que goza hoje todo o Poder Legislativo junto à população.
Cabe à Justiça Eleitoral fomentar um contínuo processo de aperfeiçoamento educacional para o voto ou, como melhor denominamos, deve a Justiça Eleitoral potencializar a promoção da educação para a cidadania, por meio de projetos institucionais e sociais que envolvam a aproximação com o eleitor e trate da pedagogia e da importância do voto consciente.
É nesse cenário de certa apatia ou mesmo descrédito da classe política que a Justiça Eleitoral deve e pode protagonizar uma educação cidadã e que sirva para fortalecer a democracia brasileira e consolidar o espírito democrático na vida da nação.
* Advogado, professor de Direito Eleitoral da Escola Superior de Advocacia do Piauí, especialista em Direito Público e Privado.
1 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. A Justiça Eleitoral no Brasil. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/institucional/a-justica-eleitoral>. Acesso em: 24 ago. 2012.
2 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Eleitor do futuro. Disponível em: < http://www.justicaeleitoral.jus.br/eleitor/eleitor-do-futuro>. Acesso em: 24 ago. 2012.
3 BRASIL, Tribunal Superior Eleitoral. Memória e cultura. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/institucional/memoria-e-cultura>. Acesso em: 16 abr. 2012.
4 BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia. Tradução de Marco Aurélio Nogueira. 7. ed. rev. ampl. São Paulo: Paz e Terra, 2000.