Afinal, o que faz a justiça eleitoral?
M. Y. Minami *
Mas, afinal, qual o real papel da Justiça Eleitoral e de seus integrantes? Para responder a tal questão, é necessário desvendarmos, primeiro, o conceito de poder.
Poder, em rápidas palavras e em uma de suas acepções, é a capacidade de um ente influenciar outro. Como exemplo, podemos citar o poder magnético (um íumã influenciando o ferro, atraindo-o) e o poder da natureza (os fenômenos da natureza repercutindo no planeta). Quando os entes envolvidos são pessoas, falamos em poder social: poder de um pai sobre seu filho, poder de um patrão sobre seu empregado, poder de um rei sobre seus súditos. O principal poder social é o poder político: aptidão de comandar uma sociedade politicamente organizada.
Podemos dizer, em uma simplificação didática, que o detentor do poder político comanda um Estado. Se for um ditador, muitas vezes, pela força, poderá ordenar a todos determinado comportamento. Já se acreditou (e isso ainda ocorre em alguns lugares) ser o poder político atribuição divina. Os faraós, no Egito antigo, eram obedecidos, pois todos acreditavam estar, em verdade, servindo a deuses.
No Brasil, esse poder político não é do presidente, nem dos governadores, nem dos prefeitos. Muito menos é do Exército, dos juízes, dos deputados, senadores ou vereadores. O poder político é de todos. O poder político é do povo. Isso está bem claro na norma maior do país: a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. O parágrafo único de seu primeiro artigo estabelece que todo poder emana do povo.
Mas como ocorre o exercício desse poder? Nós, brasileiros, exercemos o poder político de duas formas: diretamente ou indiretamente. O exercício direto ocorre de três maneiras: plebiscito, iniciativa popular e referendo.
Para nossa exposição, importa apenas pontuar o plebiscito e o referendo. São consultas ao povo sobre pontos de relevância para o país acerca de questões legislativas, constitucionais, administrativas. A consulta pode ser prévia, o plebiscito; ou posterior, quando teremos o referendo.
O exercício indireto ocorre pela escolha de representantes para ocuparem as funções administrativas (presidente, governadores e prefeitos) e legislativas (senadores, deputados federais, estaduais e distritais e vereadores). Percebemos, dessa maneira, que o poder exercido pelos governantes e legisladores é, em verdade, do povo.
Os direitos das pessoas relativos à concretização do poder político são ditos direitos políticos. As pessoas têm direito político de escolher (propostas, candidatos) e de serem escolhidas (como candidatos). E a Justiça Eleitoral?
A Justiça Eleitoral é a instituição brasileira viabilizadora, mediante eleições, do exercício, pelo povo, de seu poder. Cuida, portanto, do processo eleitoral. Isso significa que se ocupa do conjunto das ações humanas necessárias para a concretização do exercício do poder político. Trata-se, por isso, da mais importante instituição do país, pois, se não pode um corpo viver sem cabeça, não pode uma nação viver sem poder político e, no Brasil, não seria possível, aos brasileiros, o exercício desse poder sem a Justiça Eleitoral. Uma missão tão sagrada e singular torna essa justiça diferente das demais.
Enquanto as demais justiças (Federal, Estaduais, Militar e do Trabalho) devem, em regra, resolver conflitos oriundos do viver em sociedade, a Justiça Eleitoral preocupa-se com a concretização do processo eleitoral. Pode-se indagar o seguinte: não há, então, processos judiciais na Justiça Eleitoral? Sim, existem, mas não como atividade principal, como ocorre nas outras justiças. Explicando melhor: enquanto as outras justiças se preocupam com os problemas da sociedade no caso de inobservância do direito, a Justiça Eleitoral cuida da concretização do poder político. Para uma função tão complexa, faz as vezes não apenas de julgadora (decide sobre os problemas que porventura ocorram), mas também de administradora (cuida da logística completa de uma eleição) e de legisladora (cria normas para o bom andamento dos pleitos). Trata-se da única instituição do Estado que desempenha, na realização de sua atividade-fim, atividade administrativa, legislativa e jurisdicional. Vejamos melhor o porquê disso.
Para que uma eleição ocorra, o Judiciário Eleitoral deve preocupar-se, basicamente, com os seguintes pontos: a) eleitores; b) partidos e candidatos; c) logística e d) problemas de aplicação das normas jurídicas, observados durante o processo eleitoral.
A preocupação com os eleitores abrange desde o oferecimento de condições para que as pessoas possam ingressar formalmente no corpo de eleitores do Brasil, formando o chamado Cadastro Nacional de Eleitores (CNE), até questões secundárias, mas não desimportantes, como eventuais alterações cadastrais requeridas pelos eleitores, exclusão dos falecidos, salvaguarda do sigilo dos dados, controle dos casos de privação dos direitos políticos – os condenados de forma definitiva por crimes, por exemplo, são privados desses direitos.
Para haver uma eleição, além de eleitores, precisa-se de partidos políticos e candidatos. No tocante aos partidos, a Justiça Eleitoral não os controla, apenas verifica alguns requisitos necessários para sua criação e fiscaliza como arrecadam e gastam seus recursos financeiros. Isso ocorre todos os anos. Sobre os candidatos, é também dever da Justiça Eleitoral verificar se aqueles que pretendem concorrer cumprem todos os requisitos legais para isso (são verificadas as chamadas condições de elegibilidade e também eventuais causas de inelegibilidade). Há, ainda, a fiscalização sobre alguns aspectos da filiação partidária nos termos da lei eleitoral.
A logística de uma eleição é a atividade da Justiça Eleitoral mais complexa e menos compreendida. São inúmeros pormenores pensados com antecedência e merecedores de atenção: escolha de locais de votação, vistoria constante desses locais (sem que se esqueça de garantir o acesso daqueles com necessidades especiais), arregimentação e treinamento de mesários e de auxiliares para o dia da eleição, manutenção constante das urnas eletrônicas, desenvolvimento de ferramentas virtuais para garantir a votação eletrônica segura, divulgação de informações importantes ao processo eleitoral etc., sempre sob a vigilância do Ministério Público Eleitoral, que funciona como um fiscal da observância das normas eleitorais, e da sociedade.
Por fim, a Justiça Eleitoral tem processos eleitorais. Aqui, processo está no sentido mais conhecido por todos: conjunto de documentos formados durante a resolução dos conflitos, objetivando uma decisão pelo juiz. Como exemplo, citamos: apuração de crimes eleitorais (como compra de votos); fiscalização de propaganda eleitoral; impugnação de registro de candidatura etc.
Além de tudo exposto, há alguns serviços oferecidos pela Justiça Eleitoral não relacionados diretamente com sua função principal, dos quais destacamos o empréstimo de urnas à sociedade para eleições outras que não as oficiais (afinal, trata-se de patrimônio de todos) e a educação política da população, principalmente dos jovens.
Eis, em rápidas pinceladas, o que faz a Justiça Eleitoral. Três são as principais conclusões: a) a maioria das pessoas desconhece a real abrangência da atividade eleitoral; b) todos que compõem a Justiça Eleitoral (servidores, magistrados, integrantes do Ministério Público, colaboradores) devem ser cientes da importância de sua missão e desempenhá-la com especial zelo e c) a Justiça Eleitoral não para jamais: assim que o resultado de uma eleição é divulgado, começam os preparativos para a próxima.
* Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará, com especialização em Processo pela Universidade do Sulde Santa Catarina (Unisul). Mestrando em Processo Civil na Universidade Federal da Bahia. Professor de Processo Civilda Faculdade Paraíso/CE. Técnico judiciário do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará – Juazeiro do Norte/CE.