Em seminário internacional, participantes debatem desafios do uso de tecnologias nas eleições
No último painel do evento no TSE, ministro Ramos Tavares ressalta mudança de paradigma da era digital e seus impactos na esfera eleitoral
Nesta quarta-feira (22), o “Seminário Internacional – Inteligência Artificial, Democracia e Eleições”, que ocorre no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) desde terça-feira (21), teve início com o painel “Integridade do Processo Eleitoral no Mundo Digital”, que abordou temas como disseminação de notícias falsas nas redes sociais, uso de inteligência artificial (IA), cibersegurança e checagem de conteúdos.
Ao presidir o painel, o ministro Ramos Tavares destacou que houve uma mudança paradigmática nesta era digital, capaz de incorporar rapidamente novas tecnologias que podem alterar, de maneira estrutural, o modelo de vida em sociedade. Por isso, segundo ele, há a necessidade de refletir sobre essas mudanças.
Para o ministro, existe a confluência de três fatores em relação ao processo eleitoral e às tecnologias. Houve anomia (falta de normas) por um período, mas isso agora está mudando. Ramos Tavares lembrou que o TSE criou uma regulamentação sobre uso de tecnologias, como inteligência artificial e combate às deepfakes. O segundo ponto são os tempos extremos que o mundo inteiro enfrenta e, por fim, as novas tecnologias, inteligência artificial e as plataformas digitais. “Essas empresas são multinacionais e operam em escala global. Hoje, elas têm um domínio e representam um novo ator no cenário político-eleitoral, além de serem instrumentalizadas por diversos atores com poder econômico”, afirmou Ramos Tavares.
Segundo o ministro, um dos grandes desafios é o caráter global dessas plataformas, que precisam entender o contexto local onde atuam. Por isso, ele afirmou ser imprescindível que essas empresas continuem colaborando com o TSE para evitar a disseminação de notícias falsas e outros riscos que possam comprometer a integridade do processo eleitoral.
Integridade das eleições
O membro do Parlamento Federal Alemão (Bundestag), Jens Zimmermann, apontou a integridade das eleições como um tópico que impacta todos os países democráticos ao redor do mundo. Por isso, é importante falar sobre as novas tecnologias no contexto eleitoral. Ele disse ser preciso avaliar a integridade factual de notícias que envolvem os pleitos.
Zimmermann destacou a experiência brasileira com a votação eletrônica e ressaltou a importância de que todos compreendam como os sistemas eleitorais funcionam, além de contar com a colaboração da academia para avaliar a integridade dessas tecnologias. Ele apontou a relevância de contar com “hackers amigos” (hackers do bem) e também com observadores externos e independentes no processo eleitoral do país. Por fim, o membro do Parlamento Federal Alemão declarou que as plataformas digitais são importantes nas eleições, mas precisam evitar a disseminação de informações falsas por meio de moderação.
Checagem de notícias
A CEO da Agência Lupa, Natália Leal, destacou o jornalismo como um pilar importante dentro do sistema de informações, que garante a integridade das notícias. Segundo ela, a indústria jornalística vem passando por uma crise de credibilidade com a ascensão das redes sociais. Conforme pesquisa do Instituto Reuters, houve uma mudança clara no consumo de informações com o aumento do número de pessoas que se informam somente pelas mídias sociais. Isso contribui para essa crise de credibilidade do jornalismo. Outro ponto é a queda na sustentabilidade financeira dessa área.
Natália ressaltou que, dentro do contexto eleitoral, o monitoramento do ambiente digital é dificultado, pois há pouca transparência das plataformas digitais nesse sentido. Um dos exemplos, segundo ela, é como as informações se propagam nesses meios. Para Natália, é importante monitorar e dar uma resposta à sociedade, bem como construir uma estratégia efetiva para combater as notícias falsas que circulam nas plataformas.
Sobre a inteligência artificial, a CEO da Agência Lupa afirmou que ela pode ser uma aliada na detecção de conteúdo desinformativo e falso. Entretanto, as ferramentas que estão disponíveis atualmente para isso necessitam de melhorias, pois devem estar conectadas a uma base de dados muito confiável e sem reforçar certos estereótipos. “É um apoio que ainda não está preparado para a checagem de notícias. As ferramentas precisam ser mais treinadas e desenvolvidas”, disse Natália.
Ela destacou a importância da normatização e da colaboração para a checagem de notícias, bem como a valorização das mídias locais. De acordo com Natália, as plataformas devem levar em consideração os aspectos de linguagem e localidade para construírem as políticas de suas comunidades.
Cibersegurança
O professor da FGV Direito Rio e coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV, Luca Belli, falou sobre a cibersegurança. Para ele, a evolução tecnológica permitiu uma democratização do uso da inteligência artificial. Com isso, as pessoas têm, em suas mãos, ferramentas de alteração e produção textual, por exemplo, além de poderem criar comandos para curtidas e comentários em massa. “Assim, utilizam a ‘ilusão da maioria’, que pode influenciar as pessoas a concordarem mesmo em situações artificialmente produzidas”, explicou.
Para o professor, é preciso ter atenção com esse tipo de ciberataque, uma vez que isso é capaz de manipular a massa sob encomenda. Outro ponto de contribuição para o que chamou de “receita do caos” é o algoritmo, que oferta, além dos conteúdos baseados nos interesses, aqueles com alta visibilidade e os que foram pagos. Luca lembrou que, para a população com menos poder econômico e acesso limitado à internet, fica mais difícil a checagem de notícias que chegam pelas redes sociais.
Cooperação
Taís Tesser, gerente de Contencioso da Google Brasil, apresentou o que a empresa tem feito nos últimos anos para combater a disseminação de conteúdo falso. Na plataforma de pesquisa, busca oferecer informações verdadeiras e de fontes oficiais, deixando, no topo da pesquisa, o conteúdo do TSE, por exemplo, para que o eleitor cheguem “bem informados às urnas”, disse. Ela destacou a parceria com a Justiça Eleitoral desde 2014 e os aperfeiçoamentos realizados desde então dentro dessa cooperação.
A representante da Google Brasil afirmou que a empresa tem parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que desenvolve um programa com núcleos de checagem eleitoral, e já conta com 31 veículos treinados, mais de 60 jornalistas capacitados em metodologia de checagem, além de, na Google Play, existir uma loja dedicada ao ciclo eleitoral com aplicativos da Justiça Eleitoral e de checagem de fatos.
Taís destacou ainda as políticas e diretrizes da comunidade realizadas no YouTube para remoção de conteúdos falsos e outras ações, com recomendação de fontes confiáveis de notícias, redução do impacto do conteúdo limítrofe relacionado às eleições e recompensa a editores de notícias e criadores que desenvolvam conteúdo responsável.
Em relação à inteligência artificial no YouTube, Taís destacou as ferramentas existentes para detentores de direitos autorais; melhorias e aplicação de políticas contra conteúdo desinformativo; recomendação de conteúdos úteis; acessibilidade e otimização da experiência do usuário. A plataforma já aplica um rótulo para conteúdo manipulado sinteticamente, que pode ser encontrado na descrição ou no player.
Conclusão dos trabalhos
Após o último painel, o presidente do TSE, ministro Alexandre de Moraes, realizou a conferência de encerramento do seminário. Ele falou sobre os impactos da inteligência artificial nas eleições e sobre os desafios para a democracia no século XXI.
JL/EM, DB