Por unanimidade, TSE cassa registro do deputado federal Deltan Dallagnol

Ministros reformaram acórdão da Corte Eleitoral do Paraná, que havia aprovado o registro de candidatura

Sessão plenária do TSE - 16.05.2023 - Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE
Plenário do TSE reunido em sessão nesta terça-feira (16) - Foto: Antonio Augusto/Secom/TSE

Por unanimidade, o Plenário TSE cassou, na sessão desta terça-feira (16), o registro de candidatura de Deltan Martinazzo Dallagnol, eleito deputado federal pelo Podemos nas Eleições 2022. Os ministros decidiram, entretanto, que os votos concedidos a ele serão computados em favor da legenda pela qual concorreu.

A decisão se deu na análise de recursos interpostos pelo Partido da Mobilização Nacional (PMN) e pela federação Brasil da Esperança, ambos do Paraná, contra acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) que havia deferido o registro de candidatura do político. Os recorrentes defenderam que Dallagnol está inelegível, pois requereu exoneração do cargo de procurador da República enquanto estavam pendentes as análises de reclamações disciplinares, sindicâncias, pedidos de providências e Processo Administrativo Disciplinar (PAD). 

De acordo com a acusação, as condutas de Deltan incidem nas inelegibilidades descritas no artigo 1º, inciso I, alíneas “g” e “q”, da Lei de Inelegibilidade (Lei nº 64/90). Portanto, no ato de registro de candidatura, ele estava inelegível.

Conforme apontou o PMN, o então candidato pediu exoneração para afastar “a grande probabilidade de que as reclamações disciplinares e os pedidos de providências contra si fossem transformados em processos administrativos disciplinares e acabasse demitido”. 

Voto do relator

O relator ressaltou que a alínea “q” do  artigo 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/1990 foi introduzida pela Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010) no sentido de que os candidatos sejam suficientemente probos e estejam aptos a exercer cargos eletivos. 

Do referido dispositivo, extraem-se três hipóteses em que cabe reconhecer a inelegibilidade. As duas primeiras advêm de sanções concretas, quais sejam, aposentadoria compulsória ou perda de cargo. Já conforme a terceira, não é necessário haver penalidade, bastando que exista pedido de exoneração ou de aposentadoria voluntária na pendência de PAD que possa, hipoteticamente e a princípio, levar a uma daquelas consequências. 

No voto, Benedito Gonçalves citou ainda o artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal, que define que lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

Segundo a alínea “q” da Lei de Inelegibilidade, são inelegíveis os magistrados e os membros do Ministério Público que forem aposentados compulsoriamente por decisão sancionatória, que tenham perdido o cargo por sentença ou que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar, pelo prazo de oito anos.

Fraude à lei

De acordo com o ministro Benedito Gonçalves, houve fraude à lei, caracterizada “pela prática de conduta que, à primeira vista, consiste em regular exercício de direito amparado pelo ordenamento jurídico, mas que, na verdade, configura burla com o objetivo de atingir a finalidade proibida pela norma jurídica”. 

O relator lembrou que, no caso dos autos, é de conhecimento público que o candidato é ex-integrante do Ministério Público Federal (MPF). “É inequívoco que o recorrido, quando de sua exoneração a pedido, já havia sido condenado às penas de advertência e censura em dois PADs findos, e que, ainda, tinha contra si 15 procedimentos diversos em trâmite no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) para apurar outras infrações funcionais”, disse.

O ministro declarou que a somatória de cinco elementos, devidamente concatenados e contextualizados, revela de forma cristalina que “Deltan exonerou-se do cargo com o intuito de frustrar a incidência de inelegibilidade da alínea ‘q’ da LC nº 64/90 e, assim, disputar as Eleições 2022”. 

Segundo o relator, os aspectos caracterizadores da fraude, entrelaçados de forma  temporal, fática, e jurídica, podem ser assim resumidos: existência de dois PADs, com trânsito em julgado, nas quais o CNMP aplicou a Deltan; tramitar contra o recorrido 15 procedimentos de natureza diversa (tais como reclamações), que, em virtude de sua exoneração, foram arquivados, extintos ou paralisados, cabendo salientar que esses procedimentos poderiam vir a ser convertidos em PADs. De acordo com o ministro, os fatos ocorridos no âmbito da Operação Lava Jato se enquadram em hipóteses legais de demissão por quebra de dever de sigilo e de decoro, bem como pela prática de improbidade administrativa. 

Gonçalves ainda citou que um dos procuradores da República que atuaram com Deltan na Operação Lava Jato foi apenado com demissão pelo CNMP no dia 18 de outubro de 2021, em PAD instaurado em virtude de outdoor instalado em homenagem à força-tarefa, com fotografia na qual Deltan também aparece. Apenas 16 dias depois, em 3 de novembro de 2021, Dallagnol pediu exoneração 11 meses antes das eleições, mas os membros do MP apenas precisam se afastar do cargo faltando seis meses para o pleito (artigo 1º, II, “j”, da LC 64/90), ou seja, para as Eleições 2022, no dia 2 de abril de 2022.

“Dallagnol antecipou sua exoneração em fraude à lei. Ele se utilizou de subterfúgios para se esquivar de PADs ou outros casos envolvendo suposta improbidade administrativa e lesão aos cofres públicos. Tudo isso porque a gravidade dos fatos poderia levá-lo à demissão”, resumiu. 

Precedente

Com relação ao precedente do julgamento do Respe 0600957-30 (PR), de relatoria do ministro Raul Araújo, em 15 de dezembro de 2022, Gonçalves afirmou que o caso de Dallagnol apresenta duas distinções: o objeto da controvérsia em apreço diz respeito à conduta anterior e contrária ao direito, ou seja, fraude à lei. E no precedente não houve fraude conferida ao candidato a senador, assim como não se tem notícia de manobra para burlar a lei nesse sentido. 

Alínea g

Os recursos ordinários apontavam ainda a incidência da alínea “g” do artigo 1º, inciso I, da Lei Complementar nº 64/1990. Segundo o dispositivo, estão inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente. 

Para a sua configuração, é necessária a presença cumulativa dos seguintes requisitos: exercício de cargo ou função pública; rejeição das contas pelo órgão competente; insanabilidade da irregularidade verificada; ato doloso de improbidade administrativa; irrecorribilidade do pronunciamento de desaprovação das contas; e inexistência de suspensão ou anulação judicial do aresto de rejeição das contas.

Benedito afirmou que o provimento liminar, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de suspensão dos efeitos do acórdão desaprovador de contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) afasta a inelegibilidade prevista no artigo. 

Entenda o caso

O TRE-PR julgou improcedentes as impugnações e deferiu o pedido de registro de candidatura de Deltan Dallagnol. Conforme o Regional apontou, de acordo com a jurisprudência das Cortes Eleitorais, nem toda desaprovação de contas, relativas ao exercício de cargos ou funções públicas, conduz à incidência da causa de inelegibilidade mencionada no dispositivo. O TRE-PR apontou que Dallagnol é ex-integrante dos quadros do Ministério Público, exonerado a pedido em 3 de novembro de 2021.

Segundo o Regional paranaense, a exoneração voluntária de Dallagnol não atrapalhou a continuidade da investigação probatória e a conversão dos expedientes em procedimentos administrativos disciplinares, pois a reclamação disciplinar, a sindicância e o pedido de providências podem, ou não, gerar a instauração do processo disciplinar, a depender das circunstâncias do caso concreto.

O acórdão aponta ainda que entendimento diverso implicaria “verdadeira interpretação ampliativa da norma de caráter restritivo, o que é vedado pelo ordenamento jurídico”. O Regional defende que o juízo de valor a ser exercido pela Justiça Eleitoral é tão somente avaliar, objetivamente, se havia processo administrativo disciplinar em andamento, quando efetuado o pedido de exoneração pelo membro do MP. Também não cabe à JE analisar, subjetivamente, suposta intenção acobertada pelo pedido de exoneração formulado pelo candidato impugnado.

O TRE-PR afirma ainda que a certidão apresentada pelo CNMP demonstra que não havia processo administrativo disciplinar instaurado ou em tramitação em 2 de novembro de 2021, quando apresentado o pedido de exoneração pelo candidato. Assim, o TRE-PR entende que ambos os processos administrativos disciplinares transitaram em julgado muito antes do pedido de exoneração.

Sobre a suposta infringência ao artigo 14, parágrafo 9º, da Constituição Federal, o acórdão afirma que fica evidente que a Lei Complementar nº 64/1990 é a norma que define as regras de inelegibilidades, não cabendo ao Poder Judiciário criar causas não previstas no texto.

Acesse a íntegra do voto do relator, ministro Benedito Gonçalves.

JL/LC, DM

Processo relacionado: RO0601407-70.2022.6.16.0000

 

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