Seminário Internacional: as duas faces da tecnologia no combate às fake news
Especialistas dizem que meios tecnológicos funcionam como aliados no enfrentamento, mas também podem favorecer disseminação de conteúdos falsos
Mesmo reconhecendo que o mundo atual não seria o mesmo sem ela, a tecnologia ainda divide opiniões quando o assunto é a propagação de notícias falsas e seus impactos negativos sobre as eleições. Se por um lado ela pode ser uma importante aliada no enfrentamento da disseminação de conteúdos inverídicos, por outro pode eventualmente ampliar o problema.
Essas foram as conclusões do debate realizado no painel Fake News: Medidas Jurídicas e Tecnológicas, na tarde desta quinta-feira (21), durante o Seminário Internacional promovido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em parceria com a União Europeia.
Primeiro painelista, o procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, lembrou as mudanças que ocorreram na atuação do Ministério Público (MP) nos últimos 30 anos. A instituição deixou de ser um órgão voltado para a acusação e repressão, passando a agir de forma mais preventiva e resolutiva, como um órgão fiscalizador de políticas públicas.
Segundo ele, essa função de fiscalização do MP e da sociedade em geral deve contar com o suporte dos recursos tecnológicos. Como exemplo, o procurador citou um aplicativo desenvolvido pelo Ministério Público e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) capaz de identificar as fake news propagadas no estado fluminense, de forma georreferenciada.
Esse trabalho de fiscalização é realizado por meio de uma análise de padrões e propagação de notícias, a fim de identificar as conversas de robôs que infestam todos os ambientes. A medida tem o objetivo de prevenir o eleitor, na área em que ele efetivamente se encontra, quanto à disseminação de fake news. “Com isso nós dinamizamos mais a nossa atuação”, realçou.
Entretanto, o êxito da atuação preventiva do MP dependeria da parceria da sociedade civil que, por sua vez, precisa adotar as seguintes posturas para não compartilhar conteúdos falsos: investigar a fonte da notícia, se atentar para a data da publicação da matéria, conferir se a reportagem é assinada, ler a notícia de forma completa, desconfiar do que está lendo e, em caso de dúvidas, não compartilhar o conteúdo. “Se você quer ter o que nunca teve, você precisa estar disposto a fazer algo que nunca fez”, disse Gussem.
Impulsionamento de conteúdo falso
Para o vice-procurador-geral eleitoral, Humberto Jacques de Medeiros, a mentira no meio político sempre existiu. Para ele, o que precisa ser combatido é o que ele considera fato novo, ou seja, o impulsionamento da mentira agressiva difundida pela internet e redes sociais. “Esse, sim, é o problema que nos preocupa nas eleições, para a desinformação geral da população”, observou.
Coibir essa prática, disse ele, requer que todos os cidadãos possam saber com quem conversam no meio virtual. Isto é, identificar perfis falsos, robôs, perfis mal intencionados ou mensagens direcionadas ao eleitor através do rastreamento de quem ele é. Tudo isso, afirmou, não estaria violando o pacote da liberdade de expressão, mas sendo utilizado para manipular o debate e conquistar o voto do eleitor. “Combater os aspectos formais do discurso, o modo como ele é veiculado, muito mais do que o seu conteúdo, é uma garantia para a democracia, se isso é feito dentro da lei, nos conformes do devido processo legal”, ponderou.
Medeiros defendeu a autocontenção da atuação dos órgãos públicos (MP e Justiça Eleitoral) diante do problema, em detrimento de transformar o eleitor no juiz maior das notícias disseminadas. “Ele [eleitor] tem que desconfiar do que recebe, sancionar na urna quem tentou enganá-lo e matar os robôs na rede identificando a tentativa de enganá-lo”, recomendou.
Desordem informacional
Para a advogada e professora de Direito Digital da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Juliana Abrusio, uma das participantes do painel, a mentira veiculada por meio da tecnologia da informação traz duas características centrais: a velocidade e o alcance.
Segundo ela, a internet é diferente dos outros meios de comunicação porque muda a postura do leitor, uma vez que o mesmo usuário que consome a informação pode interagir com ela. E essa participação, muitas vezes, constrói um espaço para divulgar mentiras. “Vivemos mais do que o fenômeno das fake news. Vivemos o fenômeno da desordem informacional”, disse a professora, acrescentando que a internet extrapola os limites territoriais.
Abrusio afirmou que, desse modo, mesmo havendo o reconhecimento do Judiciário diante de um caso de fake news, não se consegue ter a efetividade necessária da resposta estatal. “É absolutamente impossível arrumarmos uma solução dentro do Direito para essa situação”.
Ao falar sobre a tecnologia humana, a professora destacou um projeto desenvolvido pela Mackenzie, inédito no Brasil, onde os alunos do segundo semestre são recrutados e capacitados para fazer o papel de checadores de notícias. Ela afirmou ainda que é necessário trabalhar a educação de base, gerando um senso crítico naqueles que serão capazes de mudar o mundo. “Essa é a vacina para esse fenômeno. Mas isso, obviamente, não terá resultado num futuro tão próximo”, admitiu.
Mecanismos de autenticidade
O professor de Engenharia de Computação da Universidade de Bolonha, Danilo Montesi, também apontou a desinformação como fator determinante para classificar uma publicação como fake news. Nesse sentido, ele aconselhou a adoção de mecanismos de proteção de conteúdo para preservar a autenticidade do material divulgado, como a utilização de marcas d’água nos textos.
Como exemplo, Montesi citou um novo método de inserção de marca d’água criado pela Universidade de Bolonha, que consiste na inserção de homoglifos , caracteres que têm a mesma aparência e que não podem ser distinguidos por uma rápida inspeção visual, mas possuem códigos Unicode diferentes.
Unicode é um padrão adotado mundialmente que permite que todos os caracteres (letras) de todas as linguagens escritas utilizadas no planeta possam ser representados em computadores. Ele fornece um número único para cada caractere, não importando a plataforma, programa e nem a linguagem.
O professor esclareceu que essa técnica foi utilizada na Itália para combater o terrorismo, não com as fake news, e que funcionou nas redes sociais. Dentre as vantagens desse método, ele destacou que é possível preservar o conteúdo, podendo identificar quando há tentativa de alterá-lo.
“Então é uma tecnologia que pode dar uma contribuição para o problema das fake news em um contexto específico, obviamente, e não num contexto mais amplo, com a verificação da autoria da informação ou do compartilhamento de uma porção do texto”, finalizou.
O painel foi presidido pelo presidente do Conselho Nacional de Procuradores Gerais de Justiça, Sandro Neis. Para ele, a existência da tecnologia e a velocidade na transmissão das informações por meio da internet (redes sociais, aplicativos e robôs) tem agravado a problemática em torno da propagação de notícias falas. “Estamos muito próximos de um pleito eleitoral e certamente essa questão de fake news é um tema altamente atualizado”, disse.
JP/LR