Em São Paulo, ministro Gilmar Mendes fala sobre reforma eleitoral

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Gilmar Mendes, esteve na capital paulista na manhã desta segunda-feira (6) para participar do evento #Reforma Brasil, organizado pela Associação Comercial de São Paulo (ACSP) em conjunto com a Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp) e pelo Instituto Panthéon Jurídico, com apoio do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias, Informações e Pesquisas no Estado de São Paulo (Sescon-SP), do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e da Federação do Comércio de São Paulo (Fecomercio-SP). Gilmar Mendes tratou do tema “Reforma Eleitoral”.

Em sua palestra, ele destacou que, embora a reforma eleitoral seja almejada por todos, ela foi, até agora, pouco efetivada. Segundo o ministro, as mudanças que foram feitas atingiram apenas parcialmente o seu objetivo e, nas suas palavras, “sempre de maneira mais ou menos cosmética”. Apesar de iniciativas como a redução dos custos de campanha terem sido apontadas por Gilmar Mendes como alguns dos avanços positivos implementados, ele ressaltou que até agora a essência do sistema político-eleitoral vigente continua intocada.

 

 

“Na sua substância, o sistema político-eleitoral, todos reconhecem, está extremamente viciado. O número de partidos expandiu-se significativamente e, se não houver alguma cautela, nós vamos a um extremo, porque precisamos aí de um número de assinaturas e alguns requisitos poucos, e isto vai se multiplicando”, disse. “Vemos a inautenticidade do sistema e como ele se torna vulnerável a manipulações mais diversas. Isso precisa ser realmente discutido”, completou.

Histórico

O presidente do TSE apresentou um histórico da evolução do sistema político-eleitoral no Brasil para apontar algumas das razões pelas quais a reforma política até hoje não tenha se realizado como o esperado. Segundo ele, no processo de redemocratização ocorrido no período 1985-1988, o sistema político-eleitoral vigente desde 1932 foi mantido. Foram implementadas apenas algumas inovações nas eleições majoritárias, como o segundo turno, mas o sistema eleitoral para as eleições das casas legislativas permaneceu sendo o do tipo proporcional de lista aberta.

“Não fizemos nenhuma alteração. Pelo contrário: o pioramos, porque permitimos a coligação nas eleições proporcionais. Portanto, essa ‘sopa de letras’ que os senhores veem por aí se traduz depois numa forma de ultrapassar a chamada cláusula de barreira verdadeira, que é o quociente eleitoral”, explicou. Gilmar Mendes demonstrou como as coligações permitem que partidos que não tenham atingido o quociente eleitoral mínimo, e que portanto não elegeram nenhum deputado ou vereador, usem o somatório dos votos para ocupar assentos nas câmaras e assembleias.

Ele lembrou que a tentativa de se implementar a cláusula de barreira foi suspensa por 10 anos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), devido a uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) movida por partidos políticos que se opunham à lei elaborada pelo Congresso Nacional nos anos 1990, que estabelecia um desempenho eleitoral mínimo a ser atingido pelas agremiações. A decisão liminar concedeu esse período de sobrestamento da aplicação da lei para que esses partidos pudessem alcançar o desempenho eleitoral determinado. Passado esse período, contudo, a Corte Constitucional acabou decidindo pela inconstitucionalidade da lei e impedindo a sua implementação. “Com isso, aqueles partidos que já se preparavam para se fundir, preparar uma nova formação, porque esse era um elemento indutor, voltaram à existência solo, nesse modelo de coligação a que me referi”, destacou Gilmar Mendes.

A necessidade de consenso para a realização de uma reforma eleitoral foi apontada pelo ministro como um dos elementos que atrasam a sua implementação. “É preciso que haja um momento, é preciso que haja uma conciliação, uma concertação de interesses. Não basta dizer ‘eu vou fazer a reforma’ que ela acontece. É preciso que haja uma combinação de fatores diversos de índole histórica”, destacou. Ele apontou que a questão da cláusula de barreira tinha alcançado esse consenso na época da elaboração da lei pelo Congresso Nacional, mas que a intervenção do Poder Judiciário acabou por prejudicar a sua implementação. “Naquele momento [na década de 1990] havia esse clima e isso foi feito. Não obstante, dez anos depois, por conta desse acidente inclusive, nós perturbamos a reforma”, lembrou.

Financiamento eleitoral

O financiamento eleitoral também foi abordado por Gilmar Mendes. Segundo ele, a proibição das doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais ainda não foi a melhor solução. “Muitos defendem o sistema de financiamento público. É possível. Mas para isso tem que se mudar o sistema eleitoral”, ressaltou. Para o ministro, a multiplicidade de candidaturas que se vê a cada pleito impossibilita a adoção de sistemas de financiamento eleitoral diversos do modelo privado. “Nas eleições passadas nós tivemos, só para os senhores terem ideia, em [cerca de] 5.600 municípios, [cerca de] 503 mil candidatos. De grosso, [cerca de] 40 mil candidatos a prefeito e [cerca de] 460 mil candidatos a vereador. Como eu financio isso com o financiamento público? Pensem num Fundo Partidário para alimentar essa conta”, ponderou.

O aumento dos recursos destinados ao Fundo Partidário em decorrência da proibição do financiamento eleitoral por pessoas jurídicas foi apresentado pelo ministro. “A partir da decisão do Supremo de declarar a inconstitucionalidade da doação das pessoas jurídicas, o Fundo Partidário, que andava em torno de R$ 100 milhões, no início, já chegou agora a R$ 900 milhões e já se discute levá-lo para R$ 5 bilhões”, alertou. Para Gilmar Mendes, essa é uma proposta que não corresponde aos anseios do país, tendo em vista a falta de recursos que frequentemente se verifica em áreas essenciais como saúde e educação.

Segundo o presidente do TSE, não há no Brasil a cultura do financiamento individual de campanhas eleitorais. Ele citou dados da campanha presidencial de 2014, em que se registraram R$ 360 milhões doados para a campanha de Dilma Rousseff por pessoas jurídicas, enquanto que apenas R$ 800 mil foram doados por pessoas físicas.

Em virtude disso, o ministro disse acreditar que, atualmente, a legislação brasileira acerca do financiamento de campanhas eleitorais está em um limbo. Isso porque enquanto o financiamento privado não se materializa, o financiamento das pessoas jurídicas está proscrito e o sistema público de financiamento é insuficiente, apesar do recente reajuste.

Gilmar Mendes defende que o financiamento eleitoral por pessoas jurídicas seja legalizado, estabelecendo, contudo, um teto máximo para o volume de doações, de acordo com o perfil financeiro de cada empresa. Ele acredita que a proibição do financiamento por empresas não inibirá a prática do caixa-dois, o que fará com que o intuito da proibição não seja alcançado.

Avião em pleno voo

Gilmar Mendes reconheceu que é difícil modificar o sistema eleitoral, porque, em sua opinião, “nós estamos consertando o avião em pleno voo. Os que decidem essa matéria chegaram ao Congresso por essa via; logo, é a via de eleição que eles conhecem. Esse é o dado da realidade: o salto para o desconhecido, o novo sistema”.

Para o ministro, o descrédito dos partidos políticos que se verifica atualmente na opinião pública é outro componente que atrapalha a discussão de modelos eleitorais alternativos, como o modelo de lista fechada. “No atual contexto de desconfiança dos partidos, em que eles têm caciques e donos, como eu vou escolher candidatos para uma lista? Na lista, para que os senhores tenham uma ideia, se o partido conseguir eleger cinco parlamentares federais no estado de São Paulo, os cinco primeiros colocados pelo partido estarão eleitos. Mas como o partido definiu isso? Definiu numa convenção, em que houve disputas? Ou definiu a partir de decisões ‘do bolso do colete’? Muito provavelmente será assim, logo alguns já sairão de casa com o mandato definido, o que torna o sistema ainda mais inautêntico”, frisou.

Essa é uma das razões pelas quais essas alternativas não chegam a ser discutidas em profundidade pelo Congresso Nacional, na visão do ministro. Segundo Gilmar Mendes, a aprovação de um sistema como o de lista fechada poderia configurar um suicídio político de deputados que, dado a política intrapartidária, não seriam bem colocados nas listas e, portanto, não conseguiriam um novo mandato. “É uma reforma complexa, porque é um poder que se dá ao Congresso, na verdade, autorreforma. Aqui é o Congresso se olhando, se analisando e definindo o seu próprio destino. É o parlamentar dizendo ‘se eu fixar lista fechada, como eu não tenho controle no partido, eu estarei fora da lista dos viáveis’”, afirmou.

O presidente do TSE defende que o sistema de financiamento público das campanhas eleitorais casa com o sistema eleitoral em lista fechada. Mas, ele completa, essa pode vir a ser uma solução falha, caso os recursos disponibilizados no Fundo Partidário não sejam suficientes – o que seria o ambiente propício para a ocorrência do caixa-dois.

Emendas constitucionais

A “desconstitucionalização” do sistema eleitoral, fazendo com que ele seja regido por lei complementar, e não mais pela Constituição Federal, é considerada por Gilmar Mendes como uma saída para a reforma eleitoral. Essa ideia, no entanto, enfrenta a desconfiança da população em relação à classe política. “Como há uma relação de desconfiança, qualquer reforma tem que ser feita no texto constitucional, até os detalhes de percentual. Ninguém quer deferir isso para o legislador, seja complementar ou ordinário. Então, o tema fica paralisado: ou se faz por emenda constitucional – que acaba de ser feito no Senado e agora depende da Câmara – ou não se faz. E isso é um problema. Porque no mundo todo está se fazendo reformas eleitorais, em função do déficit de representação da crise da democracia. Mas entre nós há esse engessamento, por causa dessa desconfiança”, explicou.

Essa desconstitucionalização do sistema eleitoral, para Gilmar Mendes, permitiria que o próprio jogo político-partidário e a formação de maioria fizesse experiências institucionais na busca de um sistema que seja ideal para o país. Entre esses experimentos, ele sugere a adoção do voto distrital para eleições municipais, ou a combinação do voto em lista para a metade dos parlamentares e metade no sistema distrital, como ocorre no modelo alemão.

O ministro destacou que o prazo para que as reformas eleitorais possam ser válidas para as Eleições de 2018, devido ao princípio da anualidade, é setembro ou outubro deste ano. Ou seja, em apenas seis meses. Gilmar Mendes fez um apelo para que a Câmara dos Deputados vote logo o projeto de reforma eleitoral que foi apreciado pelo Senado Federal, em que se reintroduz uma cláusula de barreira e se coloca a discussão sobre a supressão das coligações nas eleições proporcionais.

#Reforma Brasil

Com a participação de políticos e juristas, o #Reforma Brasil tem como objetivo debater e promover uma reflexão multidisciplinar sobre os projetos de reformas que vêm sendo debatidos no Congresso Nacional, visando retomar o crescimento econômico do Brasil. Além da reforma eleitoral, também foram abordadas as propostas de reforma educacional, trabalhista, política e tributária, entre outras.

O evento, que ocorre na sede Sescon, termina nesta terça-feira (7).

RG/LC

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